Título: Alagoas batalha para sair do fim da fila
Autor: Totti , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2008, Especial, p. A14

Até Omar Sharif entrou na história. À frente de um grupo de celebridades do jet set internacional, o ator egípcio era esperado em Maceió para implantar em solo alagoano um pólo da indústria audiovisual capaz de reviver nas telas superproduções tipo Lawrence das Arábias e Dr. Jivago, que o fizeram famoso na década de 60. Essa Cinecittá sertaneja iria instalar-se numa faixa de praia ao lado de outro megaempreendimento, uma fábrica de aviões portuguesa, que necessitaria de muito chão para testes, decolagem e aterrissagem de seus jatos. Simultaneamente, sul-coreanos procuravam terrenos nas mesmas praias para implantar uma fábrica de fibras ópticas a serem exportadas para as Américas e o mundo. E canadenses transformariam a região de Maragogi num paraíso tropical para deleite e desfrute de japoneses e europeus endinheirados. Tércio Cappello / Divulgação

Para Alagoas deixar de ser um Estado "desgarrado da Federação", o governador Teotônio Vilela Filho conquistou o apoio do presidente Lula. "O velho Teotônio ajudou", diz o jovem Teotônio.

Nos 266 quilômetros de litoral, entre a Ponta do Mangue, ao norte, e a foz do São Francisco, ao sul, praticamente não sobraria espaço para acomodar outros investimentos multinacionais destinados, segundo as previsões, a enriquecer Alagoas e os alagoanos - não fosse tudo isso uma farsa, pirotecnia eleitoreira.

Sharif, hoje com 76 anos, nunca apareceu. Não compareceram também canadenses, portugueses, japoneses e sul-coreanos, com seus dólares, euros e tecnologia.

Por causa desses e de outros sonhos desfeitos, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita de Alagoas ainda é 15% inferior ao do Nordeste e 40% do nacional.

É certo que o país cresce e o Nordeste também. Em algumas áreas, o Nordeste até exibe desempenhos chineses e Alagoas acompanha. O comércio varejista de Maceió, por exemplo, é positivo há 55 meses com picos de crescimento de até 40% sobre o mesmo período de anos anteriores. À exceção do Carrefour, todos os gigantes da área de supermercados brasileiros estão presentes em Maceió. Mas Alagoas, como um time na zona de rebaixamento do campeonato nacional, precisa agora acumular mais pontos que os adversários para abandonar a posição degradante. Alagoas continua o último da tabela, precedido por Maranhão, Piauí e Paraíba (os alagoanos entendem o drama, pois o CRB, principal clube de futebol do Estado, está na lanterna da segunda divisão e em trânsito acelerado para a terceira). "Ainda somos o mais pobre entre os mais pobres, como São Francisco - o santo, não o rio", diz o economista Cícero Péricles Carvalho, da Universidade Federal de Alagoas e doutor pela Universidade de Córdoba, Espanha, respeitado estudioso da realidade econômica de Alagoas.

O Estado, que já tinha o pior Ìndice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil em 1991 (0,535), melhorou em 2005 (0,677), como todo o país, mas ainda tem metade de sua população abaixo do nível de pobreza. Em expectativa de vida, alfabetização, escolarização e PIB per capita - os quatro indicadores que formam o IDH - Alagoas só não é o último em renda. Neste quesito, o troféu vai para o Maranhão.

É na distribuição de renda que se percebe o contraste mais chocante. Considerando-se a população com mais de 10 anos de idade, 300 mil alagoanos (22% desse universo) aparecem nas estatísticas como pertencentes à categoria dos "sem nenhum rendimento". Outros 47% ganham até 1 salário mínimo; 19%, entre 1 e 2 salários mínimos (somadas, essas três categorias já chegam a 88%). A pirâmide afunila-se bruscamente e, no topo, apenas 15 mil pessoas (1,05%) têm renda superior a 10 salários mínimos (PNAD do IBGE 2006).

Os mais ricos moram nos bairros praianos de Riacho Doce, Jatiuca, Pajuçara, Ponta Verde (aqui, defronte à praia, existia o famoso e deformado coqueiro Gogó da Ema, monumento turístico tragado pela areia em 1955). Os muito poucos que ganham bem mais que os modestos 15 salários mínimos vão para a região alta de Maceió, a dez quilômetros do centro, no superprotegido condomínio Laguna. Ou no Aldebarán. Em ambos, pretende-se viver como se pensa que vive a classe média alta mostrada no cinema americano: jardins sem muros ou cercas, grama bem cuidada, ambiente asséptico e sem bulício de crianças que, aliás, nem são vistas pelas ruas desertas.

Os mais pobres moram na favela do Sururu de Capote, às margens da Lagoa Mundaú em Maceió - contam-se 300 "aglomerados subnormais" (favelas) na capital - ou pelo interior, nas grotas do Agreste, do Sertão, da Zona da Mata, ou das barrancas do São Francisco, onde não há destaque para uma só carência, pois lhes falta tudo por igual, água potável, esgoto, escolas, hospitais, luz, policiamento. E sobram crianças pelas ruas.

Mas, há sinais de mudanças. E desta vez, não são factóides.

"É tempo bom, Alagoas"," Honestamente, nunca se fez tanto", proclamam cartazes de rua com a propaganda do governo do Estado. "Não há um bom pedreiro sem trabalho em toda Alagoas", diz o governador Teotônio Brandão Vilela Filho (PSDB), 57 anos, com entusiasmo e certo exagero. Todos os pedreiros e mestres de obras podem estar efetivamente empregados (na construção civil o emprego cresceu 7,1% entre agosto de 2007 e julho de 2008), mas é curiosa a situação em geral da mão-de-obra em Alagoas. "O mercado de trabalho está na contramão do desempenho nacional", diz Cícero Péricles, mostrando dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego: Alagoas diminuiu em 2007 o número de trabalhadores formais, e o fraco desempenho deve se repetir em 2008. O Estado tem uma População Economicamente Ativa (PEA) de 1,3 milhão de pessoas (total de habitantes: 3,04 milhões) e apenas 395 mil trabalham com carteira assinada.

O entusiasmo de Téo - como é chamado o filho do legendário senador Teotônio Vilela (1917-1983), um ícone da resistência democrática à ditadura militar - justifica-se pelo fato de que, neste segundo ano de mandato, a situação é bem melhor do que no primeiro ano, consumido por greves de policiais, médicos, enfermeiros, professores e malabarismos vários da secretária da Fazenda - por sinal, irmã do governador, Fernanda - para colocar em dia a folha de pagamentos do funcionalismo. Neste ano, as finanças melhoraram, as greves dos servidores já não são tão freqüentes nem tão hostis. O secretário do Planejamento, Sérgio Moreira, já pode dedicar-se ao planejamento do futuro e não mais apenas ao pagamento das dívidas do passado e o governador Téo Vilela já se permite voltar ao cooper matutino no calçadão da Ponta Verde, de onde, segundo ele, se vê "o mar sempre azul, o azul mais belo do mundo".

Os ambicionados investimentos começam, finalmente, a aparecer. Para um Estado turístico que há dez anos não inaugurava um só hotel importante - o último foi o Brisa Tower na praia de Jatiúca - o governador compareceu no último mês à inauguração do Salinas Maceió Beach Resort (119 apartamentos, 400 leitos, investimento de R$ 13 milhões, na praia de Ipioca, ao norte da capital) e descerrou a pedra fundamental de outro, o Sonho Verde Condo-Resort, com 128 apartamentos de 32 a 165 metros quadrados cada um ("condos" são apartamentos em condomínio com infra-estrutura de hotel). O secretário de Turismo, Virgínio Loureiro, baiano, ex-presidente da Bahiatursa, com 37 anos de experiência no setor, e que Téo convenceu a mudar-se para Maceió, diz que o governador "vai ter muito hotel para inaugurar até 2010". Segundo Virgínio, há 17 empreendimentos hoteleiros em implantação no Estado, com investimentos estimados de R$ 767 milhões e criação de 4,330 mil empregos diretos. "Dezessete são os confirmados, a maioria com obras já em andamento. Há outros 12 ainda no papel, mas com finalização prevista também para 2010". No total esses investimentos podem chegar a R$ 2 bilhões.

Dentre os empreendimentos já confirmados estão os primeiros três "hotéis seis estrelas do Brasil", segundo os descreve o governador Vilela. Em sua primeira incursão pelas Américas, o grupo indiano-tailandês Six Senses, atraído pelo fundo de investimentos InvestTur, brasileiro, vai instalar dois de seus resorts no Passo do Camaragibe, ao norte do Estado. Nas imediações se instalará também um resort Txai, igualmente ultra-sofisticado, que já funciona com sucesso mas com uma unidade mais modesta na praia de Itacaré, Bahia. Cada um desses três resorts terá investimentos de R$ 140 milhões. Os três "seis estrelas" gerarão mais de 800 empregos diretos entre a população local. No total, serão 165 casas e 190 apartamentos, com "densidade baixíssima e qualidade altíssima", como a eles se refere o secretário de Turismo. Segundo Virgínio, Alagoas quer proteger sua praias da poluição e da superlotação. "Temos a segunda barreira de corais do mundo (a primeira está na Austrália) e é nossa obrigação cuidar bem dela", diz. "Por isso, não queremos hotéis com 2 mil apartamentos. O investidor, aqui, não será um predador. O turismo de Alagoas não é massivo, mas seletivo". Nos projetos em andamento, o maior de todos - o Ritz Suite a ser inaugurado no ano que vem - terá 336 unidades habitacionais e 600 empregados, com investimento de R$ 20 milhões. "O fato de estimular o turismo sofisticado, não quer dizer que brasileiros de todas as posses não serão muito bem recebidos. Há lugar para todos. A diferença é que, no Brasil e talvez nas Américas, Alagoas será o melhor lugar para turistas ricos e muitos ricos", diz Vilela. Diárias para casal no Six Senses, com efeito, podem chegar a US$ 1,5 mil.

Quando assumiu o governo, como sucessor de Ronaldo Lessa, do PSB - que apoiou Vilela para o governo, mas perdeu para Fernando Collor (PTB) ao tentar se eleger senador- , Téo percebeu que seu Estado estava "desgarrado da Federação". Faltavam-lhe, segundo o governador: a) credibilidade externa (do país em geral); b) auto-estima (o próprio alagoano acreditava pouco no futuro do Estado); c) ajuste fiscal (a dívida com o Tesouro da União é de R$ 6 bilhões; a máquina administrativa era a "mais cara do Brasil" e o Estado tinha 46 secretarias, hoje reduzidas a 17) e d) investimentos privados - que são poucos exatamente por causa da ausência dos demais fatores.

À exceção da dívida com a União, ainda em negociação, todas as demais carências começam a ser atendidas, "as curvas já inflexionaram", diz o governador. O funcionalismo está em dia, a arrecadação do Estado aumentou 18% no primeiro semestre deste ano sobre os 11% que já crescera em 2007 e os investimentos que chegam não são apenas os da área de turismo. Há também iniciativas na indústria química, como a duplicação para 400 mil toneladas anuais, com investimento de US$ 600 milhões, da produção da unidade de cloro-soda da Braskem em Maceió (antiga Salgema) e a instalação de 12 indústrias de plástico (investimento de US$ 120 milhões) em Marechal Deodoro, com aproveitamento do policloreto de vinila (PVC) fornecido pela Braskem. Na mesma região - a 25 quilômetros de Maceió - a Procter & Gamble investirá R$ 45 milhões numa fábrica de absorventes e fraldas para atender a todo o Nordeste.

Até na área de metalmecânica Alagoas atrai capitais, com destaque para os US$ 50 milhões da Jaraguá Empreendimentos Industriais, de Sorocaba, SP, para produção, ainda este ano, de 40 pontes rolantes para o estaleiro Atlântico Sul de Pernambuco. A Jaraguá já opera em Maceió, com 120 operários. A planta definitiva será em Marechal Deodoro.

O governador estima que até o fim do atual mandato (2010) - por enquanto diz não pensar em reeleição - os investimentos privados serão de R$ 7 bilhões. " Teremos R$ 10 bilhões, se agregarmos os investimentos de R$ 3 bilhões do governo federal." Segundo Téo, já estão contratados R$ 2,7 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), aí incluído dinheiro federal para adutoras, barragens, estradas (entre elas, a duplicação da BR 101), hospitais como o HGE (já inaugurado, com R$ 24 milhões do Ministério da Saúde), conjuntos habitacionais, reurbanização, esgotamento sanitário, modernização do porto, e a maior de todas as obras - o Canal do Sertão. Lançado em 1992 e incluído entre as prioridades do programa "Avança Brasil", do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), esse importante projeto de irrigação, que trará a água do São Francisco desde o sertão de Delmiro Gouveia, ao Norte, até o agreste de Arapiraca, no centro do Estado, deveria estar concluído em 1996, beneficiando 1 milhão de pessoas, ao custo de R$ 700 milhões. Depois de mais de dez anos de paralisação, a obra foi reiniciada e pode estar concluída em 2010. O Canal do Sertão irrigará plantações e fornecerá água de beber a 43 municípios, numa área de influência de 13 mil quilômetros quadrados.

"Até para tomar água, os alagoanos precisam do governo", diz o governador, ao destacar a extrema dependência da população às obras e à assistência do governo, que no caso de Alagoas, só pode ser mesmo o federal, pois prefeituras e Estado têm muito pouco para investir.

Na praia de Pajuçara, um outdoor do governo do Estado chama a atenção para o que está sendo feito na região: uma rede de esgotos que vai de Pajuçara a Jacarecica, 40 quilômetros, 35.797 famílias beneficiadas. "Obra do Governo do Estado", diz o cartaz. Num parênteses e em letra miúda lê-se: "Em parceria com o governo federal - PAC". O governo federal tem discreta presença na propaganda, mas a parceria implica o pagamento total da obra, R$ 35 milhões. A mensagem se repete por toda a cidade, em obras até mais caras e igualmente importantes como a da canalização do riacho Salgadinho e a despoluição da mais linda porção de praia da orla de Maceió, a enseada de Jaraguá, que incluirá a remoção dos barracos de antiga colônia de pescadores ao lado dos terminais de exportação de açúcar. Às margens da lagoa Mundaú, já está quase pronto o Projeto Vida Decente, um conjunto habitacional em terra firme que vai abrigar os moradores de casas precárias e palafitas da favela do Sururu de Capote.

São 1.181 famílias de pescadores, marisqueiros e despinicadoras. Os primeiros pescam de tudo que a lagoa dá, os segundos catam do mangue o marisco, aqui chamado de sururu ou corrupto. O sururu é um mexilhão, capote é a sua concha. As despinicadoras são as mulheres que tiram, ou apenas abrem, o capote que envolve o sururu. Corrupto é um mexilhão abundante, menor e mais barato do que o sururu. Nas casas de alvenaria do Vida Decente onde vão morar os favelados, serão aplicados R$ 30,7 milhões. Desta vez a inscrição "Ministério das Cidades, Caixa, PAC, governo federal, Brasil, um país de todos" aparece na placa com relativo destaque.

Verbas da União são um capítulo à parte na história recente de Alagoas. "Fui ao Lula logo depois de minha posse. Conversamos uma hora e meia em Brasília. O presidente foi solidário, parceiro, republicano. Digo mais: foi amigo", relata Vilela, pródigo na adjetivação e destacando que Alagoas, governado por um adversário político, ex-presidente nacional do PSDB, tem recebido do petista Luiz Inácio Lula da Silva, nos últimos dois anos, mais do que o dobro da soma que recebera nos 20 anos anteriores. O governo Lula, em verdade, tem priorizado o Nordeste na distribuição de verbas federais e governadores adversários não costumam queixar-se de discriminação. Mas, no caso de Alagoas, há um detalhe. "O velho Teotônio continua ajudando", diz o jovem Teotônio, referindo-se ao pai senador que durante a ditadura militar foi visitar no cárcere o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. E no dia em que o sindicalista era julgado por um tribunal militar, o velho Teotônio estava na platéia, solidário. "Quero que todo o ministério ajude Alagoas", recomendou Lula ao então ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, presente à primeira audiência do recém-empossado governador de Alagoas com o presidente da República. A ajuda federal, como se vê, não é um blefe - como parece ser a virtude principal de Omar Sharif, considerado emérito jogador de pôquer.