Título: Acordos comerciais têm impacto limitado para o país
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Fonte: Valor Econômico, 03/11/2008, Especial, p. C8

Se o Brasil colheu resultados exuberantes nas exportações nos últimos anos, isso, avaliam analistas, não foi resultado da participação do país em negociações comerciais. Nenhum dos acordos firmados desde a criação do Mercosul, destaca Soraya Rosar, gerente executiva da unidade de negociações internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), gerou ganhos expressivos em novo acesso a mercados. "Foram poucos acordos e de abrangência muito pequena", diz Rosar. Ela cita como exemplo os acordos com a Índia e Israel, que não chegam a 500 produtos.

"São acordos que podem vir a crescer, mas no momento têm impacto muito reduzido em termos de acesso a mercado e do número de produtos abrangidos", afirma. E apesar de a África do Sul constituir um mercado de forte interesse para vários setores brasileiros, ainda está em fase de negociações um eventual acordo com a União Aduaneira Sul-Africana (Sacu).

De acordo com a CNI, o país movimenta-se com dificuldade no mundo dos acordos regionais. Com os países desenvolvidos, as demandas brasileiras concentram-se em temas que compõem o núcleo duro do protecionismo, como acesso a mercados, regras para produtos agrícolas e disciplinas mais rigorosas para imposição de direitos antidumping.

Em relação aos países em desenvolvimento a dificuldade é que eles têm mostrado pouca disposição em avançar para acordos que representem liberalização comercial mais significativa nas negociações com o Brasil. O resultado é que os acordos firmados abrangem apenas produtos com tarifas de importação reduzidas, o que faz com que a capacidade de geração de comércio desses acordos seja bastante limitada.

Para José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a razão principal para o pequeno número de acordos firmados pelo país é o fato do Brasil pertencer à união aduaneira constituída pelo Mercosul, que estabelece em suas diretrizes que todos os acordos dos países membros sejam firmados em conjunto. Isso significa que têm de atender simultaneamente aos distintos interesses dos quatro países. "Os acordos com Israel e Índia, por exemplo, foram feitos pelo mínimo de benefícios, em vez de serem firmados pelo máximo porque tinham que atender aos quatro países. Como resultado obtivemos acordos tão inexpressivos que não produziram nenhum impacto econômico", diz Castro. "O Brasil, por ser o mais desenvolvido dos quatro países, acaba sendo penalizado. Ficamos presos a uma armadilha que se chama Mercosul, não que devamos ser contrários à existência do bloco."

Uma das soluções possíveis, na avaliação do vice-presidente da AEB, é que o bloco se torne oficialmente uma área de livre comércio, como o Nafta, para permitir, além de acordos pelo mínimo de benefícios para os quatro países, também acordos bilaterais individuais de cada um dos membros. Com o fracasso das negociações da rodada de Doha, diz Castro, ficou mais evidente que a falta de acordos bilaterais deixou o Mercosul isolado e o Brasil, como maior exportador, foi mais prejudicado.

Castro também considera prejudicial ao comércio exterior brasileiro o fato de ter reduzido as exportações para os Estados Unidos. Principal país de destino para as vendas externas, os Estados Unidos vêm perdendo participação na pauta de exportações brasileiras. Essa participação caiu de 16% no acumulado de janeiro a julho de 2007, para 14% em igual período de 2008. A redução do comércio com o mercado norte-americano tem sido substituída pelo expressivo crescimento das vendas para o mercado asiático, que cresceram 49,8% em termos de média diária entre janeiro e julho de 2008. "Além da redução das vendas para os Estados Unidos, que eram essencialmente manufaturadas, elas passaram a ser compostas mais por commodities", diz o vice-presidente da AEB.

Para fontes do Ministério das Relações Exteriores, no entanto, todo mercado é importante e o governo tem dado ênfase à diversificação de mercados para não ficar dependente de um ou outro país. Um exemplo, segundo essas fontes, é o aumento do comércio com a África, que triplicou nos últimos cinco anos. Mesmo sem acordo bilateral específico, argumentam, as parcerias estão aumentando via ações de promoção comercial, uma rede de atuação criada em 1970 e que tem sido, afirmam, muito eficiente em prospectar mercados. O objetivo do governo é se concentrar em uma política que contemple a totalidade dos países. Não que o Itamaraty não considere importante a realização de acordos bilaterais, mas acha ainda mais importantes acordos multilaterais no âmbito da OMC.

Para a CNI, no entanto, embora salvar a Rodada de Doha continue sendo desejável, é hora de reconhecer que as chances são reduzidas, pelo menos nos próximos dois ou três anos. Por isso, devem ser buscados acordos bilaterais, como o de livre comércio com o México, eleito este ano como mercado prioritário pelos empresários nacionais. O Brasil tem hoje dois acordos de preferências tarifárias com o México, no setor automobilístico e de bens em geral, no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). O que a CNI propõe é avançar mais para atingir um acordo de livre comércio abrangente.

"Hoje há um forte interesse de muitos setores industriais brasileiros nesse mercado, que tem um potencial grande para produtos e serviços do país", diz Soraya Rosar. "Além disso, trata-se de uma economia do mesmo porte da brasileira e ambas têm muito o que complementar."

Apesar dos esforços para convencer o governo e empresários mexicanos de que os dois países só têm a ganhar com um acordo bilateral, a resistência por parte do México é grande. "O México, depois de assinar muitos acordos bilaterais para tentar reduzir a dependência econômica dos Estados Unidos, que varia entre 80% e 90%, e não ter conseguido resultados muito positivos, ficou mais resistente à idéia. Além disso os mexicanos têm medo da competitividade brasileira, principalmente em agribusiness", explica Rosar.

O objetivo, diz ela, é mostrar que nas áreas em que os produtores brasileiros são bastante competitivos, especialmente em soja e etanol, não estariam competindo diretamente com produtores mexicanos, mas com americanos. "O novo projeto para 2009 visa trabalhar com essas resistências", afirma Rosar.(G.C)