Título: Apoio do Brasil para a agricultura do Haiti
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2008, Agronegócios, p. B12

Nação mais prejudicada pela recente escalada mundial dos preços dos alimentos, o Haiti deve ter auxílio brasileiro para organizar e desenvolver uma nova base de produção agrícola em seu território. A binacional nipo-brasileira Grupo Campo conduzirá um projeto-piloto em 600 hectares de um perímetro irrigado dentro do programa estratégico de cooperação técnica a ser patrocinado pela Agência Brasileira de Cooperação, um braço do Ministério das Relações Exteriores para o tema.

O Haiti, que importa mais da metade dos alimentos consumidos por seus 9 milhões de habitantes, enfrentou violentos protestos de rua em razão da escassez de comida e da forte elevação dos preços ao consumidor. O país mais pobre do continente americano luta contra a combinação de uma agricultura de "corte e queima", que degradou suas melhores terras, e a decisão de escancarar as portas para a importação de alimentos a partir dos anos 80, quando os preços internacionais ainda eram atraentes.

O programa de cooperação técnica para produção de alimentos básicos custaria US$ 8,5 milhões, segundo o Grupo Campo. Com esses recursos, seriam levados tecnologia e conhecimento brasileiros para ampliar a a produção de arroz, feijão, milho e hortaliças. O piloto, previsto para dois anos, abrange a cooperação nas áreas de assistência técnica e extensão rural, a doação de máquinas e implementos agrícolas, equipamentos e insumos básicos. Também está prevista a capacitação de produtores rurais em técnicas de plantio, uso de defensivos e fertilizantes, além da introdução e a difusão de variedades de sementes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

A iniciativa da Campo engloba, ainda, a organização dos produtores, o apoio à comercialização por meio da compra da produção para distribuição à população mais pobre entre os pobres, além da promoção do conceito de segurança alimentar.

Criada nos anos 70, a binacional Campo tem no currículo a execução do programa brasileiro de transformação do cerrado em um grande produtor mundial de grãos, sobretudo de soja. Financiado pelo Japão, o Prodecer absorveu US$ 563 milhões ao longo de 22 anos. Também tem atualmente projeto para produção da oleaginosa na Venezuela.

Longe de elevar o Haiti a potência agrícola, a Campo considera razoável atingir a auto-suficiência alimentar dos centro-americanos a longo prazo. "É um país carente de tudo, um importador de alimentos. O programa pode mostrar um caminho novo para desenvolver a agricultura local e reduzir essa dependência externa de alimentos", diz o presidente da Campo, Emiliano Botelho. Em 2005, por exemplo, os haitianos importaram US$ 370 milhões, a maior parte em comida. No início dos anos 80, a cifra estava abaixo de US$ 100 milhões.

O projeto-piloto de irrigação no Haiti será realizado na região de Miragoâne, no departamento de Nippes, próximo à maior lagoa do país. Hoje, a área conta com 500 famílias assentadas, mas apenas um terço do perímetro está em produção, segundo o agrônomo Mário Inoue, da Campo. "Eles têm uma bomba para bombear até 600 litros por segundo, o que é muito bom, mas faltam máquinas para preparar a terra", diz Inoue. Embora tenha que elevar a eficiência no uso da irrigação, além de intensificar seu uso, o agrônomo diz que as áreas de várzea da região de Miragoâne tem solos de boa qualidade e topografia adequada.

Para atingir a auto-suficiência, os planos de cooperação incluem estender as ações para outras regiões, recuperando áreas outrora importantes de produção, como o vale do rio Artibonite, ao norte da capital, Porto Príncipe. A região já foi a maior produtora de arroz irrigado do país, mas hoje sofre com a escassez de alimentos básicos.

A região serrana de Kenss-Coff, a 20 km da capital, no departamento de Ouest, ainda produz hortaliças, mas conta com estrutura "muito precária", segundo Mário Inoue. "Visitamos várias regiões e acho que é possível desenvolver uma estrutura mínima rapidamente".