Título: Aldeia Maracanã vai para Jacarepaguá
Autor:
Fonte: O Globo, 23/03/2013, Rio, p. 14

Índios e PMs entram em confronto durante a desocupação de prédio, que vai abrigar o Museu Olímpico

Indígenas de várias etnias deixaram ontem o antigo Museu do Índio, no Maracanã, que ocupavam desde 2006, após um violento confronto com policiais militares, que cumpriam uma decisão judicial. Os invasores aceitaram a proposta do estado e vão ficar num terreno em Jacarepaguá, onde será construído o Centro de Referência da Cultura Indígena. Já o prédio desocupado terá uma destinação: será reformado e dará lugar ao Museu Olímpico, incluído no edital de licitação de concessão do Complexo do Maracanã, marcada para o próximo dia 11. A briga entre o governo e os índios começou no ano passado, quando foi anunciado que o prédio seria derrubado como parte das obras do Maracanã. Protestos da sociedade fizeram o governo voltar atrás e anunciar o museu, mas os índios ainda tinham de deixar o local.

- O dia foi tenso, mas estou aliviado. Os índios estão com a integridade física preservada e conseguimos chegar a um entendimento. Acredito que concluiremos o centro antes do prazo estimado, de um ano e meio - disse o secretário estadual de Ação Social e Direitos Humanos, Zaqueu Teixeira.

Segundo o secretário, ainda neste fim de semana os índios serão instalados provisoriamente no terreno, de dois mil metros quadrados, onde funcionou o Hospital de Curupaiti. Na segunda-feira, o projeto do centro começará a ser delineado, numa reunião entre índios e autoridades. O ponto de partida é um croquis apresentado pelos indígenas.

Repórter ferido por estilhaços

A operação para a desocupação da Aldeia Maracanã, como os índios chamam o antigo Museu do Índio, começou cedo e foi truculenta. O entorno do imóvel amanheceu como um campo de guerra. Equipes do Batalhão de Choque da PM cercavam os acessos ao imóvel, com o apoio de dois veículos blindados, helicóptero e uma dezena de viaturas. Indígenas e manifestantes estavam desde as 3h entrincheirados no edifício. Depois de mais de oito horas de cerco, policiais invadiram o local, utilizando bombas de gás lacrimogênio e spray de pimenta para dispersar os manifestantes que resistiam a deixar o prédio e outros que, do lado de fora, tentavam bloquear o trânsito na Avenida Radial Oeste. A Funai informou que não se manifestaria sobre o episódio e que a Procuradoria Federal Especializada investigará se houve excessos por parte da polícia.

A ação policial deixou levemente ferido o repórter fotográfico do GLOBO Pablo Jacob, atingido por estilhaços de uma bomba de gás. Ela aconteceu quando parte dos manifestantes já havia deixado o prédio. Um índio passou mal por causa do gás lacrimogêneo e manifestantes foram detidos. Segundo o defensor público da União Daniel Macedo, que negociava com os indígenas, os policiais descumpriram o acordo e entraram no local antes do combinado. Ele disse que 15 dos 40 indígenas que ocupavam a Aldeia Maracanã ainda estavam no terreno quando a polícia entrou:

- A maioria já tinha deixado o prédio. Tiramos mulheres, crianças e idosos. Ficaram uns 15 manifestantes lá dentro, que pediram mais 10 minutos para fazer um ritual, e acenderam uma fogueira. Estava tudo resolvido para eles saírem quando a PM entrou com gás e spray de pimenta.

O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que também ajudava na negociação, contou que um dos policiais mirou um spray de pimenta na direção dele. Ele afirmou que se reuniria com representantes da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal para estudar o ajuizamento de uma ação de abuso de autoridade contra o comando da operação policial. Durante a desocupação, PMs deram até tapas nos manifestantes.

Apesar da violência utilizada contra manifestantes, índios e repórteres, o relações públicas da PM, coronel Frederico Caldas, disse a invasão foi necessária para restabelecer a ordem e liberar as pistas bloqueadas da Avenida Radial Oeste. Segundo ele, equipes do Batalhão de Choque invadiram o prédio porque os manifestantes não respeitaram o horário acordado para a desocupação. Caldas disse ainda que a polícia entrou para evitar que um incêndio, provocado pelos ocupantes do local, se alastrasse.

- As chamas de uma fogueira feita por eles já haviam atingido uma oca. Não havia mais índios no prédio, apenas manifestantes. Entramos para liberar a entrada dos bombeiros - argumentou, acrescentando que 200 PMs participaram da desocupação.

Secretário de cultura comemora

Após a invasão do prédio, seis manifestantes foram detidos e levados para a 18ª DP (Praça da Bandeira). Dois manifestantes foram autuados por crime de desobediência. Uma mulher detida por ato obsceno - ela tirou a blusa e mostrou os seios - não chegou a ser autuada. O grupo foi liberado ainda na tarde de ontem. Segundo o coronel, o prédio ficará ocupado por policiais militares do 4º BPM (São Cristóvão), a fim de evitar novas invasões.

Entre os que respiraram aliviados com a liberação do imóvel estava o secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão. "Finalmente acabou uma das maiores tolices da cidade: a "aldeia" Maracanã! O Museu do Índio fica em Botafogo", afirmou ele no Twitter. Em outro tweet, Leitão apoiou a ação da polícia: "Além de ocupar ilegalmente um bem público, os invasores foram intransigentes. Não negociaram. A PM fez o que deveria e poderia fazer." E acrescentou: "A ocupação é ilegal. A Justiça mandou eles saírem. O governo ofereceu além do que devia."

No entanto, o procurador do Ministério Público Federal Jaime Mitropoulos contestou a posição da PM. Ele também participava do acordo para a retirada dos índios. Mitropoulos disse que estuda entrar com uma ação criminal ou cível para apurar se houve excesso de uso da força e eventual abuso de autoridade por parte da polícia.

- Não havia incêndio dentro do museu. Mulheres e crianças já haviam sido retiradas do local, e no momento em que a polícia entrou os índios faziam um ritual de fogueira. Os bombeiros já haviam entrado antes e apagado o fogo. A polícia entrou cerca de 15 minutos depois de lançar bombas de efeito moral - disse.

A versão de que a polícia usou de truculência também foi sustentada pelo cacique Urutau Guajajara. Segundo ele, os bombeiros entraram antes da polícia e debelaram as chamas:

- Estávamos fazendo um ritual quando os policias chegaram lançando gás de pimenta e mandando todo mundo deitar no chão. Quando a polícia entrou, o fogo já havia sido apagado.

O cacique Urutau, que morava na Aldeia Maracanã há sete anos, prometeu se mobilizar para que os índios retornem à área do antigo museu:

- Não vou para esse terreno em Jacarepaguá. Nosso terreno é este aqui - afirmou.