Título: Para avançar, país precisa reduzir custo do Transporte
Autor: Oliveira, Maurício
Fonte: O Globo, 15/10/2012, Desafios Brasileiros, p. 6

Gasto maior: Empresas têm custo extra para compensar falhas no sistema de logística, dizem especialistas. Com isso, produtos brasileiros encarecem e ficam menos competitivos no exterior

Burocracia cara: Num porto brasileiro, o prazo para liberação de mercadoria é de 5,5 dias em média, o que é praticamente o dobro da média mundial, de 2,9 dias, mostra um estudo feito pela Firjan

Obras. Trecho da Rodovia Régis Bittencourt em São Paulo, na altura da Serra do Cafezal, passa por duplicação: as estradas representam 65,6% da matriz de transporte no país. Nos EUA, outro país continental, por exemplo, fatia é de 38%

Michel Filho

Frequentemente apontada como um dos principais gargalos da competitividade do país, a infraestrutura brasileira costuma fazer fiasco nas comparações internacionais. No ranking deste ano do Fórum Econômico Mundial, por exemplo, o país ficou em 109º lugar em qualidade do transporte, entre 132 países avaliados. Essa fama, que certamente não combina com as perspectivas de um candidato a potência mundial, já ganhou o mundo.

No fim de agosto, o jornal britânico "Financial Times" apresentou uma extensa reportagem sobre as condições de infraestrutura do país que sediará a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 - e o retrato traçado não foi nada lisonjeiro.

O jornal afirmou que o Brasil passou anos surfando confortavelmente na valorização das commodities agrícolas e minerais e agora se deu conta de que a falta de investimentos em transportes, saneamento, telecomunicações e energia está travando seu crescimento econômico. Uma das fontes ouvidas, diretor de um banco com sede na Inglaterra, afirmou que, sempre que conversa com investidores sobre o Brasil, o primeiro problema que vem à tona são justamente os entraves da infraestrutura.

O Fórum Econômico Mundial retratou essa preocupação ao ouvir empresários do mundo inteiro sobre as principais dificuldades para exportar. Entre os brasileiros, 21,2% mencionaram o alto custo ou os atrasos causados pelo transporte doméstico. O item ficou disparado em primeiro lugar, entre dez respostas possíveis, e alcançou o maior percentual entre todos os 132 países incluídos na pesquisa.

Já em nações como Canadá, Estados Unidos e China, a principal preocupação manifestada foi identificar novos compradores e mercados em potencial, enquanto os entraves do transporte doméstico ficaram, respectivamente, com 3,5%, 9,3% e 9,4% das citações. Na França e na Alemanha, lidar com corrupção e procedimentos complexos nas fronteiras foi o item mais votado, com transporte doméstico sendo citado, respectivamente, por 6,7% e 4,6% dos entrevistados.

- As empresas brasileiras certamente precisam dedicar um esforço muito maior e gastar mais dinheiro que seus concorrentes globais para enfrentar as questões logísticas - diz o presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy.

A Abdib analisou as estatísticas, fez as devidas atualizações monetárias e concluiu que os investimentos em infraestrutura até vêm crescendo no Brasil, mas em ritmo abaixo do necessário para que o país dê o salto esperado no prazo mais curto possível. Pelas contas da entidade, os investimentos totais na área - públicos e privados - chegaram a R$ 173,2 bilhões em 2011, crescimento de quase 100% em relação aos R$ 90,2 bilhões de cinco anos antes. O percentual do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) aplicado também subiu no período, de 3,2% para 4,2%. Para a Abdib, o pulo do gato será dar mais espaço aos investimentos privados, que, no período entre 2003 e 2011, corresponderam a não mais que 40% do total.

O governo federal deu um passo importante nesse sentido em agosto, ao anunciar um programa de concessões de rodovias e ferrovias - que, se for rigorosamente cumprido, resultará em investimentos de R$ 133 bilhões nos próximos 30 anos, sendo R$ 79,5 bilhões nos primeiros cinco anos.

- As rodovias e ferrovias que anunciamos hoje são muito atraentes para os investidores - afirmou a presidente Dilma Rousseff ao lançar o pacote. - Meu governo reconhece que as parcerias com o setor privado são essenciais para a aceleração do crescimento, pois precisamos saldar uma dívida de décadas de atrasos com os transportes - acrescentou, prometendo medidas semelhantes para aeroportos.

Um dos objetivos do pacote é manter o aquecimento do setor de construção civil, que se tornou um grande gerador de emprego no país, com 180 mil postos de trabalho criados no período entre julho de 2011 e julho de 2012. Metade desses empregos veio justamente das obras de infraestrutura, impulsionadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e os projetos relacionados à Copa de 2014 - oportunidades de trabalho que se multiplicarão com o pacote de concessões, cujas obras deverão começar já no ano que vem. Um dos desafios, nesse meio tempo, é amadurecer as práticas de gestão de projetos no país e encontrar gestores preparados para a missão.

- A dificuldade para lidar com previsão de custos em grandes projetos é mundial, mas os brasileiros são especialmente imprecisos nesse ponto e estão sujeitos a uma série de fatores de risco, desde os sociais e ambientais até a insegurança jurídica, em alguns casos - diz Luís César Menezes, coordenador do curso de MBA em gestão de projetos da escola de negócios HSM.

Mais planejamento e segurança jurídica

Para acelerar o crescimento econômico e ampliar a presença dos produtos brasileiros no mercado global, o país precisa ampliar esforços em questões como planejamento, gestão, tributação e segurança jurídica aos investidores.

- Precisamos aumentar a capacidade nacional de elaborar bons projetos, modernizar os marcos legais e regulatórios, assegurar gestão profissional nas agências reguladoras, e melhorar o desempenho da gestão pública das obras e das análises ambientais - afirma José Mascarenhas, presidente do Conselho de Infraestrutura da CNI.

Para ele, a falta de investimentos na infraestrutura nacional afeta o crescimento e o perfil industrial, sobretudo quando se fala em competitividade:

- No caso dos transportes, em particular, ao que assistimos é um aumento de custos, das incertezas, e uma redução da taxa de retorno dos investimentos produtivos.

Para a CNI, a competitividade está ligada ao nível de investimentos em infraestrutura, mas não é só isso. O Brasil investe cerca de R$ 81 bilhões por ano, em média, nesse item, algo como 2,1% do PIB, quando deveria investir no mínimo 5%. A China, hoje o motor da economia mundial, aplica 7,3% do seu PIB.

- A qualidade da infraestrutura do transporte tem afetado o desempenho do comércio exterior brasileiro, inclusive por não acompanhar o contínuo aumento da demanda - acrescenta Mascarenhas.

Paulo Godoy, da Abdib, alerta que para o êxito de um trabalho entre governo e setor privado nas chamadas Parcerias Público-Privadas (PPPs), a fim de garantir uma melhor competitividade ao Brasil, será preciso mais segurança jurídica aos empreendedores, com regulações claras e estáveis, além de uma rentabilidade adequada aos projetos. Ele lembra que o Palácio do Planalto lançou o programa de concessões e PPPs para novos projetos de ferrovias e rodovias, mas ainda falta um programa similar e ousado para os portos e aeroportos.

Em 2008, a CNI fez um levantamento dos principais problemas que afetavam a competitividade dos produtos brasileiros em comparação a seus concorrentes. De dez itens listados, quatro ainda permanecem sem solução: custos altos de portos e aeroportos; preço salgado do frete internacional; custo elevado do transporte interno; a armazenagem e o manuseio de cargas nas áreas portuárias.

Para o economista Gesner Oliveira, da GO Associados, um ponto importante na competitividade se refere à desoneração tributária para se investir. Ele cita como exemplo a Sabesp, empresa estadual paulista, que em 2009 pagou em tributos o equivalente a R$ 1,26 bilhão, contra investimentos naquele ano de R$ 1,8 bilhão:

- É um descompasso, precisamos desonerar o investimento produtivo, promover as PPPs e conceber novos mecanismos de financiamento para a infraestrutura, se quisermos melhorar nossa performance.