Título: Especialistas afirmam que Brasil é omisso em comissão da OEA
Autor: Bôas, Bruno Villas ; Matsuura, Sérgio
Fonte: O Globo, 16/10/2012, Economia, p. 26

Governo nega e diz que acusações são ofensivas e desrespeitosas

Um dia após o diretor da ONG Human Rights Watch para o continente americano, José Miguel Vivanco, criticar a omissão do Brasil ante a pressão feita por países que desrespeitam a liberdade de expressão para esvaziar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), jornalistas e defensores de direitos humanos engrossaram ontem o coro e pediram ação mais clara do país. O governo reagiu e a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, afirmou que as críticas de Vivanco foram ofensivas e desrespeitosas.

Em entrevista ao GLOBO, Vivanco afirmou que a CIDH tem sido alvo de tentativa de esvaziamento por países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), e o Brasil tem contribuído para o enfraquecimento da entidade. Bastante crítico, o escritor e ex-ministro das relações exteriores do México Jorge Castañeda acusou o Brasil de ser um "anão diplomático" em suas ações internacionais.

- Em lugar de ser cúmplice dos ataques de Chávez (Venezuela) e Correa (Equador), o Brasil deveria projetar seus valores, que são valores democráticos, de liberdade de imprensa, de uma sociedade civil muito ativa, muito organizada, muito sólida - disse Castañeda. - O país pode não estar de acordo com a decisão da Corte em relação a (usina de) Belo Monte (o órgão pediu informações sobre possíveis violações de direitos dos povos indígenas), mas ameaçar com corte de financiamento, retirar o embaixador da OEA? Tudo isso não parece (atitude de) potência mundial. Por que o Brasil não opina se a Venezuela deve se retirar ou não? Se a Venezuela deve acatar as decisões da Corte ou não? Por que tem interesses na Venezuela - afirmou.

Omissão não é tradição

Claudio Polillo, editor do jornal uruguaio "Búsqueda" e diretor do Instituto de Imprensa da SIP, questiona se o Brasil tem a noção de que sua reação exagerada diante do pedido de informações da CIDH sobre Belo Monte ajuda a enfraquecer a entidade e, desta forma, facilita o bombardeio contra o organismo patrocinado pelos países da Alba.

- Não sei se os diplomatas brasileiros fazem isso intencionalmente ou não, mas quando o Brasil esperneia por causa de um pedido de informação da CIDH, e o Peru grita por causa do encaminhamento de um caso para a Corte Interamericana, os dois ajudam a minar a entidade e tornar mais fácil o trabalho dos países da Alba.

Presidente da Comissão de Boas-Vindas da Assembleia da SIP no Brasil, Julio Cesar Mesquita, diretor do Grupo Estado, disse que o Brasil está rompendo com a tradição de defensor dos direitos humanos no âmbito internacional.

- Não é da tradição diplomática do Brasil, nunca foi. O Brasil nunca se omitiu nessas questões. Pelo contrário: sempre liderou a favor. Além de cruzar os braços lá fora, cometeu uma violência como essa, de retirar um embaixador. Isso é típico de países totalitaristas, como Venezuela e Equador. O Brasil não é um país totalitário, mas age, em certas ocasiões, como se vivêssemos sob uma ditadura.

O diretor executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, destacou a importância da Relatoria Especial de Liberdade de Expressão da CIDH, que, segundo a entidade, deveria ser prestigiada pelo governo brasileiro para a defesa e promoção da imprensa independente no continente. Sobre a posição do Brasil frente a países que não respeitam a liberdade de expressão, Pedreira pediu posição mais enérgica do governo.

- De fato, poderia haver uma posição mais incisiva do governo, o que não está acontecendo.

Ao retirar seu embaixador em Washington para a OEA, a fim de retaliar o pedido de informação sobre as comunidades indígenas afetadas pela usina de Belo Monte, o Brasil abriu um "vácuo" para outros questionamentos de integrantes da CIDH.

- O Equador aproveitou a posição do Brasil para também questionar a relatoria independente sobre liberdade de expressão - afirma Juana Kweitel, diretora da ONG Conectas.

A ministra Maria do Rosário acusou Vivanco de fazer ilação ao dizer que o país teria retaliado a CIDH com a suspensão dos repasses de recursos à OEA. Outro equívoco do diretor da ONG Human Right Watch seria afirmar que o governo brasileiro retirou a candidatura de Paulo Vanucci à comissão também por esse motivo.

- Ele (Vivanco) demonstrou, com suas ilações, o desconhecimento e o desrespeito com o Brasil. É uma entrevista surpreendentemente ofensiva. Fiquei indignada com o que disse esse senhor - declarou a ministra.

Itamaraty nega esvaziamento

Ela destacou que o Brasil é signatário de todos os tratados de direitos humanos do mundo e tem profundo respeito pelo sistema ONU. Um dos princípios da diplomacia brasileira, frisou Maria do Rosário, é de não ter posições seletivas contra este ou aquele país.

- Seria importante que ele conhecesse melhor nossos dados e, fundamentalmente, que respeitasse o Brasil e o governo brasileiro. Ele ultrapassou o tom da crítica - enfatizou.

O Itamaraty negou que esteja tentando enfraquecer a CIDH da OEA e destacou que a posição do governo brasileiro é de fortalecimento e atualização dos métodos de trabalho da comissão. E nega que o governo tenha deixado de repassar dinheiro para a OEA por causa de Belo Monte.