Título: Na festa, conduzir um bom debate é um arte
Autor: Brandão, Liv
Fonte: O Globo, 08/07/2012, Rio, p. 26

PARATY. A mudança foi sutil, porém perceptível. Depois de dez edições, a Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, começou a testar um novo modelo de condução dos debates. Desta vez, menos mediadores estão concentrando mais mesas, sempre de temas afins. Ao lado do mediador veterano e jornalista mexicano Ángel Gurría-Quintana, João Cezar de Castro Rocha é o recordista desta edição, capitaneando três encontros sobre literatura brasileira. Já o escritor João Paulo Cuenca, o ex-diretor de programação da Flip Flavio Moura e a jornalista e escritora portuguesa Alexandra Lucas Coelho - estreante no posto - mediam dois encontros cada.

O restante das 19 mesas da festa literária fica a cargo de nomes já conhecidos do público frequentador do evento, como Cassiano Elek Machado, Arthur Dapieve e Claudiney Ferreira. Em entrevista ao GLOBO, o curador da Flip, Miguel Conde, falou sobre o direcionamento da mediação em seu primeiro ano no cargo.

- A mediação é fundamental para o funcionamento da mesa. Nesses dez anos de Flip, nós vimos que um mediador pode tanto ajudar uma mesa a acontecer como pode derrubar um encontro que deveria ser bacana. É claro que essa sempre é uma preocupação das maiores na organização de um festival como a Flip - explica o curador, em uma rara pausa durante a correria para dar conta de tudo em sua estreia à frente do evento.

É preciso saber conduzir,

sem forçar o debate

Este ano, pela primeira vez, a organização da Flip promoveu um encontro entre mediadores e mediados para que eles se conhecessem e pudessem adiantar alguns assuntos que seriam debatidos nas mesas. Tudo para minimizar os riscos de ruídos. Segundo Conde, que acompanhou várias edições da Flip como jornalista, um mediador precisa entender claramente seu papel e, principalmente, ter jogo de cintura para saber aproveitar um tema ou reverter uma situação complicada que pode vir a acontecer em uma mesa. E que geralmente acontece.

- Acho que o primeiro ponto para uma boa mediação é o mediador entender que está ali por ser uma pessoa qualificada para conduzir aquela conversa, mas não é a pessoa que o público quer ver naquela mesa. Saber se colocar como alguém que está ali para facilitar o diálogo entre os autores e não um autor a mais no evento é importante. O segundo ponto, além do domínio do tempo, é ter um certo jogo de cintura, conseguir não se ater à pauta preparada previamente, ter a sensibilidade para perceber o que está rendendo ou não no momento, para identificar um tema que é levantado na hora e vale a pena ser desdobrado.

Para atender às demandas, o critério principal da organização foi convocar nomes já testados e aprovados em situações de grande exposição como a Flip. No intuito de preparar os mediadores, Conde orientou cada um dos 13 convidados sobre o tema central de suas mesas e o objetivo da organização da festa ao promover determinado encontro.

- A ideia inicial não era nem concentrar mais mesas nas mãos de mediadores, mas principalmente convocar pessoas que já tivéssemos visto em ação em outras edições. Nós apenas passamos uma orientação muito de leve. Precisei explicar para os mediadores por que eu juntei aqueles escritores, qual a ideia básica da mesa, mas esse é sempre um ponto de partida, porque você nunca sabe para que lado vai a conversa. Se o papo está indo para um caminho diferente, não faz sentido o condutor ficar tentando voltar à força para o assunto inicial da mesa.

A aposta desta edição foi Alexandra Lucas Coelho. A portuguesa, hoje correspondente do jornal "Público" no Rio de Janeiro, participou de várias coberturas importantes na Ásia e no Oriente Médio, além de ter trabalhado por seis meses em Jerusalém. Autora de livros-reportagem como "Tahrir - Os dias da revolução no Egito", em que narra os protestos que levaram à queda do líder egípcio Hosni Mubarak, Alexandra estreou como romancista este ano com "E a noite roda". Esteve nas mãos dela a mediação do encontro entre a cubana Zoé Valdés e o haitiano Dany Laferrière, além de uma das principais mesas do evento, que juntou o sírio Adonis e o franco-libanês Amin Maalouf. Ambos os encontros debateram a interseção da política e da literatura na obra de seus participantes.

- Essas eram mesas importantes e difíceis porque a conversa tinha que passar, em algum momento, por discussões políticas. Mas não queríamos ter que discutir as últimas notícias do Oriente Médio, então precisávamos de alguém que pudesse mediar bem as discussões políticas e literárias. Essas foram as últimas duas mesas a ter mediação decidida, e a Alexandra se mostrou altamente qualificada para conduzir esses assuntos - diz Conde.

Formato está sendo testado e ainda pode mudar

Apesar de todas as vantagens aparentes, a concentração de mesas pode simplesmente não funcionar. E é o próprio Conde que faz essa ressalva.

- Tivemos mediadores responsáveis por até três mesas e sabemos que é mais difícil alguém se preparar para isso tudo. É preciso estar com todos os detalhes das mesas em mente, ler livros de muita gente diferente, preparar várias pautas... Então, vamos fazer, ao final, um balanço para saber se funcionou. Se der certo, temos um modelo a seguir.