Título: Irracionalidade
Autor: Baitelo, Ricardo; Leitão, Sérgio
Fonte: O Globo, 21/05/2012, Opinião, p. 6

Ainiciativa do governo de adiar a construção de quatro reatores para depois de 2021, considerando a abundante oferta de energia eólica e hidrelétrica do país, abre espaço para o Brasil abandonar a opção nuclear. E deixa o Rio de Janeiro, o estado que mais depende desse tipo de energia, livre para exigir de Brasília fontes renováveis para movimentar a sua economia.

A geração nuclear contribui com 23% da energia consumida pelo estado. Este índice pode virar zero. A capacidade de geração energética de painéis espalhados por 5% da capital, por exemplo, supriria 100% da demanda fluminense. No Brasil como um todo, essa situação se repete: energia nuclear supre menos do que 2% de nossas necessidades, a um preço extorsivo se comparado às outras fontes de geração.

O próprio Ministério de Minas e Energia, em suas estimativas sobre o potencial de geração eólica do país, aponta para a insensatez de qualquer investimento em nuclear. Sozinhos, os ventos seriam capazes de produzir 143 gigawatts, dez vezes mais do que gera a usina hidrelétrica de Itaipu - a maior do Brasil.

O país estará entre os dez maiores produtores mundiais de energia eólica em 2013, e o custo de geração praticado no Brasil é o mais econômico do mundo. Anualmente, são contratados cerca de 2 mil MW, mais do que a capacidade instalada de Angra 1 e 2. Com tantos motivos para o governo investir em fontes renováveis de energia, insistir na construção de Angra 3 é igualmente um erro.

Angra 3 é um poço de problemas e indefinições. A segurança é preocupante. O projeto prevê uma parede para encapsular seu reator medindo apenas 60 centímetros. A da usina alemã que lhe serviu de modelo tem o dobro da espessura. Quanto à população no entorno, continua sem uma rota alternativa de fuga no caso de acidentes.

A readequação do projeto a novas medidas de segurança pós-Fukushima acrescentaria R$ 300 milhões ao valor total da obra, estimado em mais de R$ 10 bilhões. Por conta dessas e outras brechas no projeto de Angra 3, a Alemanha anunciou que não pretende liberar a Garantia Hermes, fiança que garantiria o financiamento de US$ 1,3 bilhão de bancos franceses para a construção da usina.

Enquanto o governo tenta descobrir como fechar a conta de Angra 3, o potencial energético da cana-de-açúcar, de 14 mil megawatts, está abandonado nos canaviais. E o governo força a construção de Angra 3, com tecnologia importada de países que hoje a desprezam.

A Alemanha decidiu desligar todos os seus reatores até 2022. Na França, o novo governo pretende reduzir a participação nuclear em sua matriz energética até 2025. Depois de Fukushima, o Japão reavaliou seus planos de expansão nuclear, desligou seus 54 reatores e estuda maneiras de manter esse status, com novos hábitos de consumo e uma matriz elétrica diversificada.

Fukushima trouxe duas lições para o Brasil. O país adiou o investimento em novas usinas nucleares e o ministro Edison Lobão parou de dizer que tinha planos de ver 50 mamutes radioativos construídos até 2050. É um alívio, mas pequeno. É em nossa capacidade de geração a partir de fontes renováveis que está o nosso futuro.