Título: Ampliar o debate sobre o foro privilegiado
Autor:
Fonte: O Globo, 02/03/2012, Opinião, p. 6

Prerrogativa de autoridades dos três Poderes, o direito a julgamento em foro privilegiado costuma ser entendido como uma regalia incabível. Não é, pois a tramitação desses processos apenas em instâncias elevadas da Justiça - pleno de desembargadores de tribunais regionais, STJ e STF, a depender do cargo do processado - protege os denunciados de indesejadas interferências políticas.

O assunto merece uma reflexão, agora que o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) busca apoio a fim de encaminhar proposta de emenda constitucional (PEC) para limitar o alcance do foro privilegiado. Em vez da revogação pura e simples do direito, a limitação do seu alcance. Se a PEC for adiante e vier a ser aprovada, não terão mais foro especial acusações de crimes cometidos contra a administração pública, como peculato, corrupção, tráfico de influência.

Faz sentido a distinção, porque agora, com a Lei da Ficha Limpa, basta uma condenação em segunda instância e/ou por órgão colegiado para, no caso do político, ele ser considerado inelegível. É bastante provável, então, que processos deste tipo tenham desfecho em menos tempo na Justiça comum do que nas altas Cortes.

Sem considerar a Ficha Limpa, o político prestes a ser condenado no Supremo, por exemplo, prefere renunciar ao cargo eletivo, para que o processo comece a tramitar na Justiça comum, na primeira instância. Caso emblemático é o do tucano Ronaldo Cunha Lima, processado por tentativa de homicídio contra seu antecessor no governo da Paraíba, Tarcísio Burity. Quando ia a julgamento no STF, renunciou ao mandato de deputado federal, a fim de se valer da proverbial lentidão da Justiça.

A PEC merece uma discussão mais profunda. Um ponto a esclarecer é o risco de existir alguma zona cinzenta na definição se há ou não motivação política na apresentação de ações contra políticos. Em conflitos político-eleitorais e ideológicos pesados têm sido usuais acusações de corrupção, até a montagem de supostos dossiês contra adversários.

A pesada luta durante a Era FH em torno do programa de privatizações é um caso típico. Naquele tempo, chegou a existir no Ministério Público, em Brasília, um esquema de procuradores militantes dedicados a encaminhar acusações contra auxiliares de FH. Depois, foi comprovado o que ficara evidente: pelo menos um deles, Luiz Francisco de Souza, era movido por paixões partidárias.

Não existisse o foro privilegiado, é bastante provável que ministros de FH e altos funcionários do seu governo responsáveis pelas privatizações, convertidas em campo de batalha, fossem obrigados a correr o país para comparecer a audiências marcadas na primeira instância da Justiça. Algum filtro deverá existir para conter manipulações da Justiça com finalidades políticas, barrar qualquer esquema de litigância de má-fé.

Toda esta discussão sobre o foro privilegiado, agora colocada em outro plano pela PEC de Miro Teixeira, não existiria se o Poder Judiciário, sem, por óbvio, atropelar qualquer direito, agisse com um mínimo de presteza.

Com a Ficha Limpa, casos de corrupção e crimes similares de autoridades, se levados à Justiça comum, poderão ter consequências positivas para a sociedade em tempo razoável. Mas continuará a pressão para que o Supremo e demais Cortes de instância elevada deem velocidade à tramitação dos processos com foro privilegiado.