Título: Dilma entre livros e protestos de estudantes
Autor: Duarte, Alessandra; Miranda, André
Fonte: O Globo, 02/09/2011, Rio, p. 16

Na Bienal, presidente anuncia incentivo a mercado editorial; alunos e professores de institutos federais pedem verba para educação

DILMA NA BIENAL: "Devemos assegurar acesso para o livro em papel, de que eu mais gosto, e para os digitais"

MANIFESTAÇÃO no Riocentro: alunos sem aula e salários congelados

Para um anúncio que visava a democratizar o acesso à leitura, nada mais apropriado do que uma manifestação democrática de estudantes. Na cerimônia de abertura da 15ª Bienal do Livro do Rio, realizada ontem, a presidente Dilma Rousseff falou, num auditório fechado, para uma plateia formada basicamente por integrantes do mercado editorial, sobre o programa Livro Popular, uma iniciativa de incentivo à cadeia de produção de livros cuja meta é baratear as publicações. Já do lado de fora, cerca de 400 alunos e professores de institutos federais de ensino (IFE), em greve nacional desde agosto, se aglomeraram protestando por reajustes salariais para o magistério e por 10% do PIB para a educação. O protesto foi pacífico e não atrapalhou o andamento da Bienal, cujos corredores receberam um bom número de visitantes em seu primeiro dia.

A cerimônia começou às 16h30m, com uma hora de atraso. Os manifestantes já se reuniam em frente ao Pavilhão 5 do Riocentro desde as 15h. "Dilma, cadê você? Eu vim aqui só pra te ver!", gritavam, antes da presidente chegar. E foram embora sem vê-la: ela falou apenas no discurso de abertura da Bienal, e saiu sem conversar com a imprensa.

Presidente do Snel lembra Lei do Direito Autoral

Com cornetas e cartazes trazendo frases como "Estudantes na rua. Haddad, a culpa é sua" e "Abre o bolso, Dilma", a manifestação contou também com representantes de sindicatos como o Sintuff, além de pais de alunos.

- Estamos sem aula desde 15 de agosto, e não acho justo, porque também o governo congelou o salário dos professores. Os alunos se comoveram e a gente decidiu se manifestar - contou Larissa Magalhães, de 15 anos, aluna de ensino médio do IFE de São Gonçalo.

Segundo Pâmella Passos, professora do IFRJ Maracanã e integrante da coordenação da greve dos IFEs, os grevistas exigem 14% de reajuste salarial para professores e técnicos, enquanto o governo decidiu dar 4%, e apenas para os professores. Pouco antes do início da cerimônia, uma comissão de cerca de dez manifestantes foi recebida pelo ministro da Educação, Fernando Haddad. Eles saíram da conversa reclamando:

- Foi só balela. Ele nos recebeu, mas não quis negociar nada -- disse Luciana Zaneti, mãe de Pedro, que cursa o 3º ano do ensino fundamental do Pedro II de São Cristóvão.

Na mesa de abertura da Bienal, além de Dilma e Haddad, estiveram o governador do estado do Rio, Sérgio Cabral; a primeira-dama do estado, Adriana Anselmo; o prefeito do Rio, Eduardo Paes; as ministras Ana de Hollanda (Cultura) e Helena Chagas (Secretaria de Comunicação Social); o vice-governador do estado do Rio, Luiz Fernando Pezão; o presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vinicios Vilaça; e Sonia Machado Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL), instituição que organiza a Bienal.

Primeira a discursar, Sonia aproveitou a ocasião para lembrar de dois pontos caros para o setor: a Lei do Direito Autoral, cuja revisão foi interrompida por Ana de Hollanda no início do ano para ajustes; e a Lei das Biografias, que acabaria com a exigência de um autor necessitar da autorização de seu personagem para evitar problemas na Justiça.

- Uma das questões que exige mais atenção no momento é a mudança na Lei do Direito Autoral. Nós observamos a revolução que ocorreu na indústria fonográfica e não podemos ter isso acontecendo nos livros. Apoiamos a ministra Ana de Hollanda em rever as mudanças na lei. A obrigatoriedade da numeração de exemplares, por exemplo, seria bastante onerosa para os livros de papel e impossível de se implantar para os livros digitais - afirmou Sonia. - Outro projeto importante é a Lei das Biografias. Hoje, com a necessidade de aprovação prévia de um biografado ou de seu herdeiro, grandes histórias estão deixando de ser contadas.

Nenhum dos presentes comentou publicamente os projetos abordados por Sonia. Pouco depois, em seu discurso, a presidente Dilma destacou o ambiente de cultura e conhecimento que é a Bienal e falou da necessidade de se baixar o preço dos livros no país. O projeto Livro Popular será lançado oficialmente na semana que vem, com um edital de R$35 milhões para bibliotecas que queiram adquirir obras a um preço de no máximo R$10. A intenção do governo é que editoras e pontos de venda diminuam os preços de olho na possibilidade de venda para as bibliotecas e que isso, por consequência, chegue ao consumidor.

- A história da Bienal parece aquelas histórias infantis. Era uma vez um evento que reunia expositores e que foi crescendo, crescendo e a cada biênio alcança um final feliz. A principal estrela aqui é o livro, esse companheiro extraordinário que nos permite mergulhar no mundo das ideias - disse a presidente. - O acesso ao livro, seja o livro clássico, seja o digital, tem que ser garantido à população. Isso implica em preços adequados para aumentar a circulação e incentivar o mercado. Queremos uma ação que fomente a produção e comercialização de livros baratos. O programa Livro Popular pretende ser um estímulo à toda cadeia, mas sobretudo ao brasileiro que pode amar os livros. Devemos assegurar o acesso para o livro em papel, aquele que de eu mais gosto, e também para os digitais. Estou superando minha barreira em relação a eles.

Haddad: "O que foi possível fazer, nós fizemos"

Mais tarde, o ministro Fernando Haddad participou da palestra "A educação no Brasil" dentro da programação da Bienal. Após o evento, o ministro falou sobre a manifestação dos grevistas, afirmando que "o que foi possível fazer, nós fizemos":

- Recebi a comissão (de manifestantes), e havia um pouco de desinformação sobre o PL (projeto de lei 2134/2011) que foi enviado ao Congresso na semana passada e que criaria 70 mil cargos por concurso público, e sobre o acordo que o Planejamento fez com os sindicatos de docentes - disse o ministro, ironizando ainda o fato de que o PL geraria críticas. - Você pode anotar que, daqui a poucos dias, haverá pessoas criticando o governo por ter encaminhado um PL com tantos cargos. Vai ter editorial reclamando de inchaço da máquina.

Espiritismo, misticismo e vício em sapatos

Autora de "Os imortais", Alyson Nöel é fã de Paulo Coelho

Lívia Brandão

Estreante na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, a escritora americana Alyson Nöel chega à cidade sabendo bastante sobre o Brasil. A autora dos best-sellers da série "Os imortais" (Intrínseca), que já conquistaram uma legião de adolescentes ao redor do mundo, é fã declarada de Chico Xavier e Paulo Coelho - ela chega a definir "O alquimista" como "uma bela jornada que oferece muita sabedoria". Não é para menos: criadora de histórias sobrenaturais, Alyson se identifica com o espiritismo de um e o misticismo de outro, temas recorrentes em suas obras, responsáveis pela venda de mais de 6 milhões de exemplares só nos Estados Unidos. No sábado, Alyson vai participar de um bate-papo no espaço Conexão Jovem, no Riocentro, mediado pela jornalista do GLOBO Valquíria Daher, às 12h, e passará o resto da tarde dando autógrafos no estande de sua editora.

- O sucesso de "Os imortais" foi um sonho que se tornou realidade e sou muito grata a todos os leitores que abraçaram meus livros ao redor do mundo. Foi o que me permitiu passar pelo Reino Unido, França, Noruega, Dinamarca e Brasil, o que é maravilhoso! Ao mesmo tempo em que pude começar a saciar meu vício por sapatos, a verdade é que eu agora trabalho mais do que nunca! - brinca em entrevista por email a autora, que já está no Rio e visitará ainda as cidades de Brasília, Campinas, Curitiba, Salvador e São Paulo lançando "Infinito", último volume da saga que a alçou ao estrelato literário.

Enquanto curte ao lado dos fãs a despedida de Ever e Damen, protagonistas dos livros cheios de elementos paranormais, mediúnicos e fantasmagóricos, Alyson garante que não deixará ninguém órfão de seus contos. "Riley Bloom", cujo primeiro volume, "Radiante", já está nas prateleiras das livrarias brasileiras, narra as aventuras da irmã mais nova de sua personagem mais famosa, uma garota morta aos 12 anos - um prato cheio para a geração que cresceu lendo "Harry Potter" e "Crepúsculo".

- Riley tenta encontrar seu caminho na vida após a morte e logo descobre que não está na eternidade nebulosa que ela sempre imaginou. A personagem foi designada para trabalhar como Apanhadora de Almas e retornar à Terra para persuadir fantasmas a seguir em frente. Riley se relaciona com seu guia, Bodhi, um belo rapaz de 14 anos - explica Alyson, que afirma preferir escrever séries como a que a tornou famosa em vez de se dedicar a livros únicos: - Elas me permitem explorar melhor as personalidades dos personagens e eu posso levá-los a uma jornada muito maior.

A versão cinematográfica de "Fly me to the moon", único livro adulto da carreira de Alyson, está sendo produzida por ninguém menos que Ridley Scott, de "Blade runner" e "Gladiador", além de ter roteiro e direção assinados pela mesma Sharon Maguire, do sucesso "O diário de Bridget Jones", estrelado por Renée Zellweger. Todo esse prestígio em Hollywood, no entanto, não é o suficiente para fazer a autora abandonar os jovens para tentar conquistar o público mais velho. A americana está mesmo apegada aos leitores adolescentes.

- Adoraria escrever mais romances adultos e tenho muitas ideias que gostaria de desenvolver. Mas, neste momento, estou muito ocupada com "Riley Bloom", além da minha nova coleção para jovens adultos, "Soul seekers", cujo primeiro livro está previsto para ser lançado em maio de 2012.

A difícil reflexão sobre a ficção atual

Debate põe em questão clichês da crítica sobre literatura contemporânea

BEATRIZ RESENDE, Paulo Roberto Pires e Ana Paula Maia: "crítica precisa assumir riscos", diz o editor

Guilherme Freitas

Espaço que se esforça para apresentar ao grande público da Bienal, além de best-sellers, escritores nacionais ainda pouco conhecidos fora do circuito especializado, o Café Literário abriu sua programação nesta quinta-feira com um debate sobre a dificuldade de refletir criticamente a respeito da produção contemporânea. Intitulada "Literatura brasileira na nova década: o papel da crítica", a mesa reuniu, em conversa de pouco mais de uma hora mediada pela jornalista Simone Magno, da rádio CBN, a crítica Beatriz Resende, a escritora Ana Paula Maia e o jornalista Paulo Roberto Pires, editor da revista "Serrote", que falaram também sobre as mudanças provocadas pela internet na relação entre autores, críticos e leitores.

Respondendo à pergunta inicial da mediadora, sobre como definir a literatura brasileira contemporânea, Ana Paula disse se incomodar com tentativas de delimitação de tendências ou filiações estéticas. Pires e Beatriz concordaram com a inutilidade de agrupar escritores em "escolas", mas criticaram avaliações que se limitam a apontar a "diversidade" da produção contemporânea.

- Diversidade sempre existiu, no século XIX, no XVIII. Shakespeare também era diverso de seus contemporâneos - provocou Beatriz, que disse ver como um dos pontos de contato entre alguns escritores atuais a busca por "um novo sentido para a ideia de realismo", citando como exemplo as narrativas violentas de Ana Paula, como "A guerra dos bastardos", e os jogos metalinguísticos de Pires no recém-publicado romance "Se um de nós dois morrer" (Alfaguara).

Pires destacou o papel da internet na recuperação da vida literária no país desde a virada dos anos 2000.

- A internet reorganizou as trocas entre os personagens da vida literária e criou novos espaços, como revistas e blogs. Hoje, é muitas vezes nesses espaços que acontecem as coisas mais interessantes. A crítica precisa se ocupar disso também, precisa assumir riscos - disse ele.

Ana Paula Maia fez um relato sobre a experiência com seu blog, onde, antes de fechar contrato com a editora Record, publicou um romance em folhetim para um público de exatamente dois leitores ("muito animados", ressaltou). Hoje, depois de quatro livros lançados, ela é procurada por autores estreantes que querem ter seus originais lidos.