Título: A revolução do emprego
Autor: Silva, Ruy Martins Altenfelder
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2009, Opinião, p. 29

Presidente do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee) e do Centro de Estudos Estratégicos e Avançados da Fiesp.

Já está mais do que reconhecida a contribuição do agronegócio para a riqueza nacional, na casa dos 26,6% ou, em dinheiro, R$ 710,8 bilhões. Boa parte desse significativo desempenho deve-se ao esforço de modernização e de empreendedorismo das indústrias do setor, que apostaram em novas tecnologias, pesquisas avançadas e investimentos na produção como passaporte para conquistar a primazia em diversos segmentos do mercado internacional, como o do açúcar e álcool ou o da carne de frango, bovina e suína, entre outros.

Mas, na tradição brasileira de conviver com fortes desigualdades, uma sombra cai sobre esses brilhantes resultados e ela se localiza no campo, de onde sai a matéria-prima para alimentar as usinas e destilarias. Trata-se da mal resolvida questão do futuro dos cortadores de cana, base da indústria sucroalcooleira e integrantes de uma categoria profissional com extinção prevista para 2015, em consequência da crescente mecanização. É um desafio e uma dívida, não apenas do setor do agronegócio, repensar a reciclagem desses trabalhadores, ainda que seja apenas para compensar a falta de segurança, a baixa remuneração e até casos de trabalho escravo ¿ como denunciou reportagem da Folha de S.Paulo, publicada há um ano.

Com tais lamentáveis exceções remanescentes, o processo de industrialização, nas duas primeiras eras, pôs fim ao trabalho escravo e aliviou as tarefas humanas, com a crescente mecanização das atividades econômicas. Agora, aproxima-se uma nova revolução, com o fim do trabalho assalariado. Há várias opções para lidar com o futuro do capital humano das empresas e cada uma delas requer um salto de imaginação, capaz de alimentar a disposição tanto para repensar a natureza do trabalho quanto para redefinir o papel do profissional e sua contribuição para a sociedade neste século 21.

O alto desemprego, impostos elevados, sistemas onerosos de bem-estar social e confusos regimes regulamentares, que só fazem perpetuar a estagnação econômica, colocam as noções no epicentro do debate sobre o futuro do emprego. Some-se a isso a produtividade propiciada pelas novas tecnologias da informação e das telecomunicações, levando milhões de trabalhadores ao desemprego, e eis o potencial de força da terceira revolução industrial. Se as novas tecnologias vão libertar os seres humanos para uma vida de mais lazer ou se resultarão em desemprego maciço e depressão generalizada, dependerá de como cada país vai enfrentar os desafios dos novos tempos.

Inexoráveis, os avanços da produtividade poderão vir para o bem ou para o mal. Colherão os bons frutos da nova era aquelas nações que se conscientizarem de que o fim do emprego não significa absolutamente o fim do trabalho ou da ocupação produtiva ¿ mas apenas o fim das tradicionais relações patrão-empregado. Serão também as nações que tiverem aprendido a valorizar e a aprimorar a qualidade de seu capital humano, ao lado da ênfase no progresso tecnológico.

Embora há algumas décadas especialistas se debrucem sobre o tema tentando buscar receitas para atenuar os reflexos da anunciada (e, aliás, já iniciada) revolução no mercado de trabalho, não há clareza nem consenso nas conclusões ¿ como, aliás, costuma ocorrer em fases de profundas mudanças. Mas um fator se impõe, desde o início do debate, como indispensável para que essa transição seja bem-sucedida. Aqui, voltamos a uma antiga e batida tecla. Trata-se da educação balizada por políticas públicas que consagrem a qualidade do ensino e sua adequação aos novos tempos que estão surgindo.

É que será preciso investir em certas características, como estimular o espírito empreendedor dos profissionais; desenvolver suas aptidões para absorver e utilizar adequadamente novos equipamentos, técnicas e tecnologias; espicaçar sua capacidade de identificar e solucionar problemas, entre outras. Mas nada disso acontecerá sem a estruturação de um sistema de ensino, no qual inexistam alunos que fingem aprender e professores que fingem ensinar. E mais: um sistema que deixe de privilegiar o ensino superior (acessível a poucos) em detrimento do ensino básico (onde começa a exclusão). Como sentencia o educador Paulo Nathanael Pereira de Souza, o Brasil sempre soube educar suas elites, mas jamais conseguiu educar o seu povo, e nisso parece residir a causa maior das nossas insuficiências no plano socioeconômico e cultural. Uma grave deficiência, inadmissível numa nação que pretende ser um dos atores centrais dos novos tempos, pois neles não haverá espaço para brasileiros em situação semelhante à dos cortadores de cana.