Título: Conversa truncada
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 07/08/2009, Mundo, p. 20

Presidente colombiano se reúne por duas horas com Lula, que continua cobrando mais explicações sobre acordo militar com os Estados Unidos.

Brasil, Colômbia e Estados Unidos ainda não estão falando a mesma língua na controvérsia sobre o acordo (1)pelo qual o governo de Bogotá cederá sete bases militares (aéreas, navais e terrestres) em seu território para forças americanas. A dissonância ficou evidente ao final de mais de duas horas de reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o colega Álvaro Uribe, na tarde de ontem, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Uribe chegou pouco depois das 15h30, taciturno, saiu depois das 17h30 e, ao contrário da extroversão esbanjada no ano passado, limitou-se a dirigir uma ¿saudação cheia de afeto ao povo irmão do Brasil¿, além de agradecer ¿profundamente¿ pelo ¿diálogo amplo com o presidente Lula e integrantes do governo brasileiro¿. Passados mais de 10 minutos da partida do visitante, o ministro Celso Amorim anunciou que ¿serão necessárias mais consultas com a Colômbia e os Estados Unidos¿ para que seja possível ¿resolver certas dúvidas e questões¿ ¿ especialmente sobre as implicações da cooperação militar bilateral para os países vizinhos e a região.

O chanceler brasileiro fez questão de ¿reiterar que um acordo com os EUA restrito ao território colombiano é assunto da soberania dos dois países¿, mas observou que essa posição se aplica ¿desde que os dados (sobre o acordo) sejam compatíveis com essa limitação¿. Nas entrelinhas da breve declaração, Amorim mais uma vez cobrou ¿transparência¿ dos governos colombiano e americano sobre as ¿nossas preocupações que foram expressas¿. Em particular, o governo brasileiro questiona o alcance das operações a partir da base aérea de Palanquero, ao norte da capital colombiana, de onde tropas americanas poderiam ser transportadas sem escalas até qualquer ponto da Amazônia. Segundo o chanceler, a necessidade de garantias sobre isso ¿foi mencionada¿ e será ¿objeto de reflexão¿. ¿Vamos ver se a transparência será suficiente¿, observou.

O tema das bases irradiou ondas de choque pela vizinhança e desencadeou nova crise entre Uribe e o presidente venezuelano, Hugo Chávez, que denuncia um ¿plano de invasão gringa¿ contra seu país e retirou seu embaixador de Bogotá. Chávez e o equatoriano Rafael Correa estão entre os governantes mais ávidos por discutir a questão na cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), na próxima segunda-feira, no Equador ¿ a ideia partiu do Brasil e do Chile. Mas Lula, ao que tudo indica, não conseguiu demover o presidente colombiano da decisão, anunciada na semana passada, de não assistir à reunião ¿ justamente por não considerar o foro apropriado.

¿O presidente (Lula) expôs os propósitos do Conselho de Defesa Sul-Americano, que vai permitir que certas questões sejam resolvidas com tranquilidade¿, afirmou o chanceler brasileiro. Perguntado sobre a presença do colombiano na cúpula de Quito, ele foi quase definitivo: ¿Não posso responder pelo presidente Uribe, mas a impressão que ficou é de que ele não vai¿. Amorim elogiou Uribe pela ¿iniciativa muito positiva¿ de percorrer sete países sul-americanos ¿para conversar diretamente¿ com os governos vizinhos. Também ressaltou a necessidade de ¿todos assumirmos o combate ao narcotráfico¿, mas frisou a importância de que o problema seja enfrentado ¿sem ingerências externas¿ ao continente.

Saindo do CCBB, Uribe se dirigiu para a base aérea, onde teve uma reunião, agendada de improviso, com cinco integrantes da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Durante cerca de meia hora, segundo informou ao Correio o presidente da comissão, Eduardo Azeredo (PSDB-MG), o presidente colombiano ¿garantiu que o Brasil pode ficar tranquilo¿ quanto às sete bases incluídas no acordo ¿ que ele apresentou como um prolongamento do Plano Colômbia de combate ao narcotráfico, em vigor desde 2000. ¿A resposta foi muito firme e positiva, ele esclareceu que não serão bases americanas e que não abrigarão aviões de combate, apenas de reconhecimento¿, disse o senador. Segundo Azeredo, Uribe ¿manifestou preocupação ainda com a guerrilha e disse que quer maior integração com o Brasil para que possa apoiar mais esse combate¿.

Escalas

Antes de chegar a Brasília, última etapa de uma turnê por sete países, o presidente colombiano teve outra conversa difícil no Uruguai, onde o colega Tabaré Vázquez reiterou o desagrado de seu governo com a presença militar americana no continente ¿ enquanto, do lado de fora, manifestantes gritavam ¿Uribe assassino¿. O mesmo tom de Vázquez foi o da presidenta argentina, Cristina Kirchner, e do governante boliviano, Evo Morales. A posição colombiana encontrou melhor receptividade no Peru e no Chile, cujos governos são os mais próximos a Washington, entre os que compõem a Unasul.

1 - PLANO COLÔMBIA 2 Segundo as informações iniciais, o acordo militar em negociação entre Colômbia e Estados Unidos dará aos americanos acesso operacional a três bases aéreas (uma no norte, uma no centro e outra no leste do país), duas navais (uma no Caribe e outra no Pacífico) e duas terrestres (no centro e no sul). O acerto é apresentado como desdobramento do Plano Colômbia (antidrogas), que autoriza a presença no país de até 1.400 americanos, 800 militares e 600 ¿contratados¿.

Hugo Chávez descarta mediação de conflito

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, garantiu que ¿não há mediação possível¿ para o conflito diplomático que se instaurou com a divulgação do novo acordo militar que prevê a utilização de até sete bases pelos Estados Unidos em território colombiano. Depois de se reunir ontem, no Palácio de Miraflores, em Caracas, com o ex-presidente colombiano Ernesto Samper, Chávez garantiu que a única forma de a situação voltar à calma é que a ¿Colômbia desista de entregar aos EUA seus territórios para que, a partir dali, (os EUA) continuem planejando agressões contra a Venezuela¿. Um dia antes, o mandatário já havia anunciado que pretende assinar, em setembro, ¿um importante acordo de armamento¿ com a Rússia.

Durante o encontro com Samper, que presidiu a Colômbia entre 1994 e 1998, Chávez insistiu nas acusações de que o governo de Álvaro Uribe procura ¿desviar a atenção do estabelecimento de bases americanas em seu país¿ lançando denúncias ¿falsas¿ sobre lança-foguetes suecos que teriam sido entregues pela Venezuela às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ele ainda afirmou que seu país é o principal alvo dos EUA, por conta das reservas de petróleo. ¿Eles fracassaram no Irã e estão de volta¿, acusou. Amanhã, o presidente venezuelano receberá uma comitiva do Polo Democrático Alternativo (PDA), da oposição colombiana.

Guerra

Na última quarta-feira, Chávez sugeriu que a presença norte-americana na vizinha Colômbia poderia ser o ¿início de uma guerra¿ na América do Sul. ¿Trata-se dos ianques, a nação mais violenta da história da humanidade¿, afirmou, durante uma entrevista coletiva. No mesmo dia, o venezuelano revelou que o primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, já está a par das ¿ameaças¿ representadas pelas bases na Colômbia. Segundo Chávez, entre 14 e 15 de agosto, o Kremlin receberá seu vice-presidente, Ramón Carrizález.

Em setembro, será a vez de o próprio Chávez ir a Moscou para assinar ¿um conjunto de acordos, não só de armas¿. ¿Será um acordo importante de armamento para aumentar nossa capacidade operacional, a de nossos sistemas defensivos, de nossa defesa antiaérea¿, afirmou. Chávez anunciou ainda que o colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, viajará a Caracas em 28 de agosto, dentro do plano de encontros trimestrais dos dois países para ¿aprofundar as relações¿.

Projeto de lei é arquivado

Em meio à discussão sobre a liberdade de expressão na Venezuela, a Assembleia Nacional do país decidiu enterrar de vez um polêmico projeto de lei sobre crimes de imprensa. Segundo a presidenta da casa, Cilia Flores, o texto não será discutido pelo Parlamento devido às ¿divergências surgidas¿. ¿A lei que foi proposta pela procuradora do Ministério Público não teve consenso e não é um projeto de lei que esteja em nossa agenda legislativa¿, afirmou Cilia, destacando que muitos dos aspectos defendidos no projeto já estão previstos pelo Código Penal.

A proposta apresentada pela promotora-geral Luisa Ortega, na última semana, prevê penas de até quatro anos de prisão para pessoas que publicarem informação ¿falsa¿ e ¿manipulada¿, que cause ¿prejuízo aos interesses do Estado¿ ou atente contra a ¿moral pública¿ e a ¿saúde mental¿. De acordo com o jornal venezuelano El Nacional, a decisão do Parlamento foi tomada depois de uma ¿reunião de emergência¿ convocada pelo Executivo, com o objetivo de retirar o tema do debate público.

Na última quarta-feira, o presidente Hugo Chávez, que já havia retirado a licença de 34 emissoras de rádio, provocou mais polêmica ao defender ¿limites¿ à liberdade de expressão. ¿Nenhuma liberdade pode ser ilimitada onde há leis e o reconhecimento da Constituição. (¿) Se querem viver onde não há leis, vão para a selva com o Tarzan¿, disse o mandatário.