Título: As desafiadoras lacunas de trabalho
Autor: Paviani, Aldo
Fonte: Correio Braziliense, 30/07/2009, Opinião, p. 21

Geógrafo e pesquisador associado da UnB

O desemprego afeta milhões de pessoas em todos os continentes, especialmente os países emergentes. Considerados como ¿em desenvolvimento¿, parecem pouco afetados pela crise que abala o mundo globalizado. Pela globalização, a crise espalhou-se mundo afora, não levando em conta países ricos, emergentes ou pobres. Em maior ou menor grau, o tsunami da crise chegou à produção industrial, ao desempenho comercial e, logicamente, ao setor imobiliário, no qual o maremoto financeiro recente teve origem.

Observa-se queda no desempenho da produção, reduzindo o consumo e a circulação de dinheiro. Ao produzir menos, a indústria tomou atitude cautelar, demitindo operários. Esses também, por precaução (ou por não ter outra saída), deixam de consumir. Cria-se, com isso, um círculo vicioso que atinge o sistema econômico e obriga governos, mesmo de países liberais, a intervir na economia. Todavia, as soluções vêm a reboque: o grande estrago na lucratividade e no mercado de trabalho exige que se recomponham as perdas.

Se a crise persistir, nos setores de consumo e da produção, a saída estará em poupar mão de obra, enxugando a folha de pagamento, criando lacunas de trabalho. Essas possuem roupagem diversa do desemprego porque podem ser permanentes, isto é, não são conjunturais, mas estruturais. Explicam-se as lacunas de trabalho como a eliminação de postos de trabalho sem reposição porque tecnologias variadas surgem para substituir a força humana. Esses postos de trabalho, ao serem cortados, aliviam a carga salarial e previdenciária das empresas, sobrecarregando as políticas governamentais. Em tempo de crise, as lacunas de trabalho podem surgir porque as atividades novas operam sem criar postos de trabalho.

Com isso, as lacunas de trabalho ocorrem porque setores econômicos poupam mão de obra e porque eliminam atividades que julgam supérfluas, considerando a redução da lucratividade traduzida em balanços adversos. Nesses casos, o socorro chega com aportes governamentais para evitar quebradeira e desemprego. Outra estratégia é mudar a geografia das indústrias com a migração para continentes onde a mão de obra pesa menos sobre o produto final. Esse mecanismo faz que países como o Brasil entrem no jogo da produção globalizada oferecendo incentivos para a localização de plantas industriais ou financiando a produção de partes de objetos. Esses componentes são exportados para as matrizes montadoras, que lucram exportando o produto acabado.

Países emergentes passaram a atrair atividades com benesses do lucro repatriado, sem ter gerado investimento algum no país. Essa estratégia não cria postos de trabalho porque é extremamente poupador de força de trabalho, pois é calcado em tecnologias de ponta. Sendo capital especulativo, essas indústrias nômades procuram as metrópoles, onde é encontrada mão de obra a baixo custo e abundante. A atração desse tipo de empreendimento se faz com empréstimos de bancos oficiais na esperança de ativar a geração de empregos, o que nem sempre ocorre.

Os países pobres e emergentes são o palco de lacunas de trabalho com maior rebatimento socioespacial. Há regiões inteiras com taxas entre 15% e 20% de desemprego, o que pode significar milhões de pessoas de braços cruzados e estômagos vazios. Os desocupados acabam no rol de desempregados estruturais, refugiam-se na informalidade ou batem no muro das lacunas de trabalho. No Brasil, essa é de difícil mensuração, pois ainda não se criou uma pesquisa direta específica nas universidades e nas instituições especializadas para captar o volume de postos de trabalho não criados nas empresas ou quantos foram eliminados ao surgir a curva decrescente dos lucros operacionais.

Se decaírem os lucros, cortam-se os supérfluos, não avaliados nos desperdícios das empresas, mas pelo lado mais visível que é o braço operário, substituído por tecnologia modernizadora e da moda. Sobra a esses dispensados buscarem obrigo na informalidade ou nos programas governamentais. Governos possuem uma cornucópia financeira abastecida pelo montante de impostos e taxas, por vezes camuflados como temporários ou destinados à educação ou à saúde pública.

Por fim, resta supor que, ao lado do suporte social (emergencial), empresas e governos destinem mais recursos para a educação e para a saúde pública, instrumentos para soerguer o futuro dos vitimados pela perda de seu sustento ou fulminantemente atingidos pelas lacunas de trabalho.