Título: Onde ônibus não passam, crianças transportadas em veículos de carga
Autor: Remígio, Marcelo ; Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 27/02/2011, O País, p. 3

Em Pernambuco, procuradoria questiona segurança das picapes

BOM JARDIM e OROBÓ (PE) O problema do transporte escolar em Pernambuco é tão grave que virou caso de Justiça. Desde 2005 acompanhando e investigando as condições dos coletivos usados pelas prefeituras nos municípios do interior, principalmente nas áreas rurais, o procurador regional da República Francisco dos Santos Rodrigues Sobrinho denunciou sete prefeitos da região agreste, por considerar que os recursos do Fundef não são bem utilizados, já que veículos destinados aos estudantes não oferecem condições de segurança. Ele tem uma relação de 29 outros prefeitos a serem denunciados ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife.

Pelo menos uma denúncia foi aceita pelo TRF: o prefeito João Francisco de Lira (sem partido), de Bom Jardim, é acusado de "aplicar indevidamente verbas públicas" e de "irregularidades na aplicação dos recursos do Fundef". Isso por contratar veículos para conduzir estudantes que não atendem às exigências do Código Nacional de Trânsito. Eles circulam nos sítios, alguns a cerca de 20 quilômetros do centro, onde O GLOBO esteve quarta-feira. De acordo com a acusação, a prefeitura usa motos e picapes modelo Toyota Bandeirantes no transporte. O GLOBO constatou um Toyota com 18 alunos, quando a capacidade máxima era de 12 passageiros. Os alunos transportados no Toyota não usavam cinto de segurança. Além de picapes, a frota de Bom Jardim possui ônibus antigos e novos, chamados de "amarelos", entregues pelo governo federal e que obedecem ao Código Nacional de Trânsito.

Os 29 municípios onde as prefeituras são acusadas de descumprir a lei ficam entre a área canavieira e o Sertão, onde o transporte mais comum é o Toyota Bandeirantes com chassi alongado. Em Bom Jardim, a 110 quilômetros de Recife, dos 145 veículos contratados pela prefeitura para o transporte escolar, 95 são Toyota. O procurador afirma que o uso desses veículos não é previsto no Código Nacional de Trânsito, já que originalmente deveriam transportar carga:

- Desde 2006, que chamo a atenção dos prefeitos. Até me reuni com eles. Pediram que esquecesse o assunto. Não posso esquecer o que é lei - reclama o procurador.

O secretário de Educação de Bom Jardim, Luiz de Albuquerque Lins Neto, diz que as aulas começaram uma semana depois do início previsto, 9 de fevereiro, por causa de problemas com o transporte escolar:

- O problema em Bom Jardim é que temos 6.900 alunos, a maior parte residindo na área rural. Caso a gente substitua o Toyota por ônibus, pelo menos 4 mil deixarão de vir à aula, porque os veículos tradicionais não conseguem ter acesso aos sítios, principalmente no inverno.

O coordenador de transporte da Secretaria de Educação, Evandro Cabral de Matos, afirma que os ônibus amarelos, enviados pelo governo federal, têm um problema:

- Os cinco coletivos são ótimos, mas não passam. Não chegam aos sítios - diz ele, admitindo que os Toyota circulam superlotados.

Bruna Campos Ferreira, de 9 anos, aluna da Escola Mariano Rufino Ribeiro, usa o ônibus da prefeitura. Mas diz que preferia a Toyota:

- Eu antes não perdia tanto tempo. Agora, ando mais de uma hora até o ponto do ônibus. Dia de chuva é um sacrifício - afirma.

Em Orobó, Jaqueline Barbosa Ferreira, de 11 anos, também usa o transporte escolar. Moradora do sítio Monte Alegre, de difícil acesso, ela e seis irmãos usam a Toyota questionados pelo Ministério Público:

- Os ônibus não conseguem chegar no sítio. Passam longe - diz ela.