Título: O fim da sibutramina
Autor: Marinho, Antônio; Eboli, Evandro
Fonte: O Globo, 17/02/2011, Ciência, p. 32

Proibição da droga pela Anvisa vai mudar tratamento da obesidade

Adecisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de cancelar o registro de todos os medicamentos que contém sibutramina causa polêmica ao alterar o tratamento da obesidade. Existem hoje no país 52 produtos com essa substância na fórmula, usados como inibidores de apetite. A Anvisa suspenderá ainda o registro de 15 anorexígenos, feitos à base de anfepramona, femproporex e mazindol, também utilizados para tratamento de emagrecimento. A agência decidiu proibir a comercialização de remédios elaborados a partir dessas quatro substâncias porque estudos revelaram aumento de problemas cardiovasculares entre os usuários. EUA e Europa já retiraram os medicamentos do mercado.

A proibição da Anvisa, além de atingir a produção industrial dos remédios, vai se estender também às farmácias de manipulação, que não poderão utilizar essas substâncias na elaboração de seus produtos. Na próxima quarta-feira, a Anvisa realiza uma audiência pública, quando deve ser consolidado o documento que condenará o uso dessas substâncias em medicamentos.

A partir dessas conclusões, a Diretoria Colegiada da Anvisa, no início de março, baixará resolução proibindo a venda dos medicamentos. Nos últimos anos, a Anvisa já vinha adotando medidas de restrição do comércio de remédios à base de sibutramina. Antes disso, estimava-se que o país contava com um milhão de consumidores da droga.

- Agora, não é mais questão de restringir ou controlar. O risco para o usuário é elevado e, por isso, é necessário retirar esses remédios do mercado. Esses riscos superam os benefícios - disse Dirceu Barbano, diretor-presidente em exercício da Anvisa.

Só poderá haver uma reviravolta na disposição da Anvisa de banir essas substâncias se, até quarta-feira, aparecer algum estudo que desminta as conclusões sobre os malefícios desses medicamentos. A indicação da Anvisa está baseada em pesquisas científicas e no parecer da Câmara Técnica de Medicamentos (Cateme) de outubro de 2010. No documento, o órgão recomenda o cancelamento desses registros.

Uma nota técnica da Anvisa, da área de Farmacovigilância e da Gerência de Medicamentos, concluiu que a sibutramina apresenta baixo coeficiente de efetividade de redução de peso e pouca manutenção de redução de peso em longo prazo. Segundo especialistas, pessoas que fazem dieta, se exercitam e tomam o remédio alcançariam uma perda de peso média equivalente a 5% a 6% de sua massa corporal. Sem o uso da droga, a perda média seria de 3%. Alguns estudos indicam ainda que 20% das pessoas não respondem ao remédio. "Além disso, estudos indicam possível aumento de risco cardiovascular entre todos os usuários", diz a nota da agência.

Um estudo publicado na "New England Journal of Medicine", que acompanhou dez mil pacientes em 16 países, revelou que houve um aumento de 16% do risco de complicações cardiovasculares entre os usuários da substância.

Os medicamentos anorexígenos que também estão sendo vetados apresentam graves riscos cardiopulmonares e para o sistema nervoso central, segundo a Anvisa. "Esses fatores tornam insustentável a permanência destes produtos no mercado, mesmo se forem consideradas as melhorias já implantadas no processo de controle da venda destes medicamentos."

- Com a proibição, vai caber aos médicos recorrerem a outros meios e técnicas comprovadamente seguras - disse Dirceu Barbano.

Mas nem todos os médicos concordam. Segundo Marcos Tambascia, professor de endocrinologia da Unicamp, a proibição causará impacto maior entre obesos, cuja condição pode causar problemas ainda mais graves, e não naqueles que tomam para fins estéticos.

- E não há nenhuma droga prestes a ser lançada que possa substituir a sibutramina - diz Tambascia.

O orlistat, ou Xenical, que custa dez vezes mais, e reduz a absorção de até 30% de toda gordura consumida, seria, segundo médicos, menos eficaz do que a sibutramina.

O endocrinologista Walmir Coutinho, ex-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e um dos oito coordenadores do estudo da "New England", acredita que o fim da sibutramina vai piorar a qualidade de vida de milhares.

- Houve maior risco de problemas cardiovasculares em idosos, grupo que geralmente tem outras doenças, além da obesidade - afirmou. - Tem muita gente tomando sibutramina sem necessidade, mas isso não justifica retirar a droga sem deixar qualquer alternativa.

Vendas ilegais podem aumentar

O endocrinologista Amélio Fernando de Godoy Matos, da Abeso, adverte para o risco do aumento das vendas ilegais no mercado negro.

- Se a sibutramina for proibida, os pacientes vão migrar para o mercado negro. Eles vão correr para tratamentos milagrosos, como fórmulas fitoterápicas sem comprovação de eficácia, e que podem conter substâncias nocivas - alerta. - A perda de peso com a sibutramina parece pequena, porém faz diferença na redução de riscos.

A endocrinologista Ruth Clapauch, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), explica que há pacientes que não toleram o orlistat.

-- Quem tem intestino sensível não consegue usá-lo - avalia.