Título: O desajuste oculto
Autor: Andrade, Robson Braga de
Fonte: O Globo, 15/11/2010, Opinião, p. 7

A iniciativa de governadores eleitos e reeleitos da base aliada de recriar a CPMF, a Contribuição Permanente sobre a Movimentação Financeira, exige uma pronta e forte reação da sociedade.

A reabertura deste debate é intempestiva, pois a questão já foi objeto de decisão do Congresso Nacional.

Não podemos permitir que retornem as velhas práticas de aumentar a carga tributária para solucionar os desajustes fiscais do Estado. Como representantes do setor produtivo, cabe a nós liderar a resistência contra essa inoportuna iniciativa.

A avaliação unânime do setor industrial é a de que não são aceitáveis propostas de criação de novos tributos ou de majoração dos já existentes, dissociadas de uma reforma tributária.

A CPMF é, comprovadamente, um tributo que compromete seriamente a competitividade do produto nacional por ser cumulativo, elevando os custos de transação e de intermediação financeira.

Tem ainda efeito direto no aumento das taxas de juros, causando sua elevação, o que desestimula o crescimento econômico e reduz a base de contribuição e a arrecadação dos demais tributos. Esse efeito contribui para aumentar as despesas públicas, além de inibir o investimento ¿ ocasionando maior custo do capital ¿ e desestimular a expansão do crédito, com reflexos nocivos sobre a produtividade da economia.

O retorno de um tributo semelhante à extinta CPMF não assegura o cumprimento do pretendido objetivo de melhorar os serviços de saúde.

Mesmo com o fim da CPMF em 2007, não foi registrada redução da arrecadação do setor público, pois a eventual perda de receita foi mais do que compensada com a majoração de alíquota de outros impostos e contribuições.

Os gastos da União em saúde, inclusive, cresceram em proporção do PIB, passando de 1,64% em 2007 para 1,71 % em 2009. Entretanto, a qualidade dos serviços de saúde prestados à população não registrou o mesmo aumento.

É um mito que a CPMF é tributo direto que onera mais a população rica.

Ao contrário, tem caráter regressivo: os mais pobres acabam arcando com um peso proporcionalmente maior do tributo. Como a carga é regressiva, quanto menor o rendimento maior o impacto. Mesmo isento da CPMF no recebimento dos salários, o trabalhador é punido com a carga embutida no custo dos produtos e serviços que consome.

Outro dos grandes males da CPMF é o fato de incidir sobre o recolhimento de outros tributos. Assim, quando se faz o recolhimento do IPTU ou IPVA com cheque ou débito em conta, também se está pagando CPMF sobre os montantes. Também onera as movimentações financeiras das empresas, fazendo com que este custo seja repassado ao consumidor no preço final das mercadorias e serviços.

Mais um mito a enfrentar é o de que a extinção da CPMF dificultaria o combate à sonegação. Esse argumento valia no passado. A Receita Federal, porém, passou a dispor de instrumentos legais para acompanhar a movimentação financeira dos contribuintes, independentemente do uso da CPMF. Existe, inclusive, permissão para a quebra do sigilo bancário, sem que seja necessária autorização judicial.

A indústria brasileira acredita que mais importante do que aumentar a arrecadação para a saúde à custa da competitividade da economia brasileira e do bolso dos cidadãos é garantir a qualidade do gasto.

Este é o único caminho que atende simultaneamente ao clamor da sociedade e aos imperativos de uma política fiscal correta. A sociedade espera isso dos políticos e dos gestores públicos.

ROBSON BRAGA DE ANDRADE é presidente da Confederação Nacional da Indústria.