Título: Conselho do MEC quer censurar Monteiro Lobato
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 30/10/2010, O País, p. 17

Coordenadora de ações afirmativas da UFMG diz que "Caçadas de Pedrinho" é preconceituoso com Tia Nastácia

BRASÍLIA Parecer aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) recomenda que o livro ¿Caçadas de Pedrinho¿, do consagrado autor de literatura infantil Monteiro Lobato (1882-1948), deixe de ser distribuído às escolas públicas, ou que isso só seja feito caso haja a inclusão de nota explicativa sobre a presença de estereótipos raciais na obra. Para o conselho, o livro de Monteiro Lobato é racista.

O parecer foi aprovado em setembro e, para entrar em vigor, precisa ainda ser homologado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad.

¿Estereotipia ao negro e ao universo africano" A conselheira relatora Nilma Lino Gomes, da Câmara de Educação Básica, entendeu que trechos relativos à personagem Tia Nastácia, que é negra, e a animais como o urubu e o macaco têm elementos de depreciação racial contra os negros. ¿Estes fazem menção revestida de estereotipia ao negro e ao universo africano, que se repete em vários trechos do livro analisado¿, escreveu Nilma, professora adjunta do Departamento de Administração Escolar da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde é coordenadorageral do Programa de Ações Afirmativas e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Ações Afirmativas (Nera), segundo informações dadas por ela ao Sistema de Currículos Lattes em 29 de setembro.

Um dos trechos do livro diz: ¿(...) e tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros (a cozinheira corria para fugir de onças que invadiam o sítio).¿ A Câmara de Educação Básica aprovou o parecer por unanimidade.

O Ministério da Educação já distribuiu o livro a escolas públicas de ensino fundamental, por meio do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), em 1998 e 2003. A seleção foi feita por especialistas indicados pelo MEC.

Ontem, a assessoria de imprensa do ministério informou que a Secretaria de Educação Básica vai estudar o caso, a partir da semana que vem. O ministro Haddad só decidirá se homologará ou não o parecer após a análise da secretaria.

O parecer do CNE transcreve nota técnica da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), outro órgão do MEC. A Secad faz uma restrição ao livro: ¿A obra `Caçadas de Pedrinho¿ só deve ser utilizada no contexto da educação escolar quando o professor tiver a compreensão dos processos históricos que geram o racismo no Brasil.¿ No ano passado, outro livro de Monteiro Lobato ¿ ¿O presidente negro¿, o único romance escrito por ele para leitores adultos ¿ suscitou polêmica no vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina. Professores e representantes do movimento negro questionaram a seleção da obra como parte da prova. A UFSC manteve a escolha.

A recomendação do CNE de que ¿Caçadas de Pedrinho¿ só chegue às escolas públicas com nota explicativa é ¿extensiva a todas as obras literárias que se encontrem em situação semelhante¿. O conselho aproveita também moção lembrando que uma diretriz da Coordenação Geral de Material Didático do ministério diz que, entre os critérios de seleção de obras, está a ¿ausência de preconceitos, estereótipos ou doutrinações¿. Para o CNE, cabe à coordenação ¿cumprir com os critérios por ela mesma estabelecidos¿.

Livro foi denunciado por aluno de mestrado da UnB O caso chegou ao CNE após denúncia do servidor da Secretaria de Educação do Distrito Federal e aluno do curso de mestrado da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Antonio Gomes da Costa Neto. Segundo ele, uma escola particular de Brasília utilizaria o livro de Lobato. Costa Neto procurou a ouvidoria da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), que consultou o CNE.

Segundo o parecer, a denúncia de Costa Neto registra que a mais recente edição do livro traz, em sua apresentação, esclarecimentos sobre o contexto histórico da obra, que foi escrita em 1933, mas somente sobre questões do meio ambiente: ¿Essa grande aventura da turma do Sítio do Picapau Amarelo acontece em um tempo em que os animais silvestres ainda não estavam protegidos pelo Ibama, nem a onça pintada era uma espécie ameaçada de extinção, como nos dias de hoje.¿