Título: Bloqueios e genocídios
Autor: Dolinger, Jacob
Fonte: O Globo, 24/06/2010, Opinião, p. 7

ATurquia assumiu a defesa dos ¿navegantes da paz¿ e entornou sua bile sobre Israel, com o qual vinha mantendo relações de mútua colaboração em vários setores. Outra manifestação crítica à política israelense com relação ao mar territorial de Gaza veio de uma das mais ilustres personalidades da Grã-Bretanha, Tonny Blair, participante do esquema internacional que pretende, surda e cegamente, solucionar o centenário conflito entre judeus e árabes.

Sem entrar na análise da ocorrência que estremeceu o mundo de maneira gritantemente desproporcional à sua reação para com as magnas violências que vêm ocorrendo em diversos pontos do planeta, com sacrifício de milhares de vidas, cabe analisar a autoridade de turcos e ingleses para criticar o bloqueio marítimo que Israel impõe à costa de Gaza. Na Turquia ocorreu em 1915 a primeira grande tragédia do século XX ¿ o genocídio de um 1,5 milhão de armênios cristãos, retirados de suas casas, levados para o mar e afogados, arrastados para as estradas e torturados até a morte ¿ homens, mulheres, velhos, crianças, em um morticínio inenarrável, comandado pelas autoridades governamentais, tragédia desconhecida pela maior parte da humanidade.

Hitler, quando advertido por assessores sobre o risco de executar a liquidação de milhões de judeus, respondeu que não havia problema, exclamando: ¿Quem se lembra dos armênios?¿ Sabia ele que ninguém viria em socorro dos judeus, como ninguém acudiu os armênios. Depois da guerra de 14/18, a Liga das Nações e as grandes potencias comportaram-se cinicamente, deixando de dar qualquer apoio aos sobreviventes e premiando os turcos com ampliação de seu território, em detrimento do povo armênio, que se viu exilado de sua terra. O Tratado de Lausanne, de 1923, entre as grandes potências e a nova república turca, ignorou por completo os sobreviventes do genocídio.

O satânico crime dos turcos contra os armênios levou ao diabólico crime dos alemães contra os judeus. E atualmente impera a hipocrisia dos países ocidentais e das organizações internacionais com suas críticas candentes a Israel sem atentar para a política terrorista das lideranças palestinas, apoiadas por governos muçulmanos. Plus ça change, plus c'est la même chause.

Os sucessivos governos turcos se negaram a reconhecer o genocídio praticado contra sua minoria cristã, os armênios. O atual governo mantém a mesma política. E nada os demove desta cruel indiferença que, como disse ilustre jus-internacionalista, representa matar as vítimas pela segunda vez. Os ingleses colaboraram com a Alemanha fechando as portas da Palestina para os judeus que pretendiam fugir do nazismo. A Carta Branca de maio de 1939 ¿ justamente quando a guerra se iniciava ¿ impôs uma cota imigratória para a Palestina de 15.000 judeus por ano. Ao mesmo tempo estimularam a vinda de árabes de diversas regiões para o território sob seu mandato.

A potência mandatária deu todo apoio à agressividade árabe, mantendo-se inerte diante dos pogroms perpetrados contra a população judaica e impedindo a defesa armada por parte das vítimas. No Oriente Médio, como em todas as regiões colonizadas pelo Império Britânico, este deixou bem plantadas as envenenadas sementes de futuras crises internas e lutas armadas. A crueldade britânica nos anos da guerra, impedindo a salvação de centenas de milhares de judeus que tinham como escapar da Europa para a Palestina, culminou com a manutenção da mesma política no pós-guerra, quando, nos anos 1945-1948, bloqueou o porto de Haifa a todas as vítimas da perseguição nazista, criaturas reduzidas à mais abjeta miséria física e moral, que tentavam recuperar suas vidas na Terra Santa.

As embarcações que se aproximavam do porto eram recambiadas para a Europa. Algumas foram conduzidas a Chipre, forçados os passageiros para dentro de campos de internação. Lembremos o filme ¿Exodus¿. O bloqueio mantido pelo governo de S. Majestade britânica antes e durante a guerra levou à morte de centenas de milhares e à mais profunda humilhação de milhares de sobreviventes do Holocausto.

Turcos e ingleses deveriam lembrar seu passado criminoso antes de agir contra um país que bloqueia a entrada de armas e mísseis para um grupo terrorista que estabelece em sua Carta o objetivo de destruir o Estado de Israel e aniquilar sua população, operacionalizando seu desiderato mediante ações terroristas e milhares de mísseis lançados sobre a população israelense. De bloqueios e genocídios têm eles ¿ ingleses e turcos ¿ sabida experiência e fariam melhor calando-se sobre a política defensiva do Estado de Israel.

JACOB DOLINGER é professor da Uerj.