Título: Bofetada na lei
Autor: Franco, Carlos Alberto Di
Fonte: O Globo, 14/06/2010, Opinião, p. 7

Centrais sindicais defenderam recentemente, na assembleia da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em São Paulo, a continuidade do governo Lula e alertaram para um "retrocesso", em clara referência ao pré-candidato tucano José Serra. O evento, pago pelo imposto sindical, que desconta um dia de salário ao ano de todos os trabalhadores com carteira assinada, custou pelo menos R$800 mil, segundo o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical.

Como lembrou recente editorial do jornal "O Estado de S. Paulo", ao se colocarem a serviço direto, sem disfarces, da candidatura de Dilma Rousseff à presidência, a infração menos grave que as centrais sindicais cometeram foi a "antecipação" da campanha - até porque nem a Força Sindical nem a CUT foram as primeiras a fazê-lo. Mais grave foi a debochada afronta que o deputado Paulo Pereira da Silva lançou à Justiça Eleitoral, ao afirmar que de nada adiantaria ser processado de novo - já teve quatro processos e duas condenações - pois "continuaria a falar". E falou, tanto para dizer que não se pode deixar "esse sujeito" (referindo-se ao candidato José Serra) se tornar presidente, porque ele "vai tirar os direitos do trabalhador", "vai mexer no Fundo de Garantia, nas férias, na licença-maternidade", como para defender a continuidade do governo Lula, com a eleição de Dilma Rousseff.

Independentemente da falta de compostura e da demagogia explícita do deputado-sindicalista, o que preocupa, e muito, é a tranquilidade demonstrada ao esbofetear a lei e esnobar o Judiciário. A legislação proíbe a participação de sindicatos em campanhas eleitorais. A participação aberta na campanha é apenas consequência do total atrelamento do sindicalismo ao Estado.

A estratégia dos sindicatos representa uma triste emulação do comportamento do presidente. Lula tem dado um contínuo show de antecipação da campanha. As viagens e inaugurações, pagas com dinheiro público e com Dilma a tiracolo, estão registradas nos jornais. Quando multado, Lula faz graça e vai em frente. O projeto de poder de Lula, o presidente mais popular, não admite barreiras éticas ou limites legais.

O excesso de poder investido num projeto ideológico de poder não é bom para a cidadania. A dinheirama dos fundos de pensão e, agora, o controle dos sindicatos não combinam com uma sociedade aberta e plural. A Argentina, rica e com fabulosas possibilidades, foi, há décadas, sequestrada pelo peronismo. Seria trágico se o Brasil, um país que soube fazer de um metalúrgico um presidente bem-sucedido, ficasse refém do lulismo. Ninguém é insubstituível. A alternância está no DNA da democracia. Lula tem méritos? Inúmeros. Mas sua maior grandeza, seu genuíno serviço, seria a renúncia ao projeto pessoal de perpetuação no poder. Saber sair da Presidência para entrar na História.

CARLOS ALBERTO DI FRANCO é diretor do Master em Jornalismo.