Título: Adolescentes e jovens na mira do mercado
Autor: Casemiro, Luciana
Fonte: O Globo, 13/06/2010, Economia, p. 30

Procon-SP lança manual para orientar sobre armadilhas do consumo quem tem entre 15 e 30 anos

Eles podem não ter talão de cheque, cartão de crédito ou mesmo dinheiro na conta, mas não há marca, produto ou serviço que não queira incluí-los na sua lista de clientes. Cada dia mais precocemente, adolescentes e jovens são o alvo preferencial do mercado, que quer garantir desde cedo a fidelidade a seus produtos e serviços. Esse assédio pode ser visto na publicidade, no aumento das contas universitárias, na farta distribuição de cartões de lojas e também nas taxas de inadimplência. No Rio, 36,8% dos inadimplentes têm até 30 anos, segundo o Clube de Diretores Lojistas (CDL). Preparar esses jovens para enfrentarem de forma crítica as armadilhas do consumismo é a proposta do ¿Manual do jovem consumidor¿, lançado pela Fundação Procon-SP .

¿ O jovem é cada vez mais importante para o mercado de consumo. A publicidade é endereçada a eles, que ainda estão formando hábitos de consumo. Por isso, decidimos fazer uma publicação específica para esse público, de 15 a 30 anos, usando a linguagem deles e também abordando assuntos do seu cotidiano, como tatuagens, compras on-line, saídas noturnas. Como a cartilha está disponível para download na internet (tiny.cc/60x7o), esperamos que as informações circulem entre eles ¿ diz Roberto Pfeiffer, diretor-executivo do Procon-SP.

Preocupado com o índice de inadimplência entre os jovens, a CDL também já pensa num projetos de orientação:

¿ Os jovens têm uma importância muito grande, basta ver a quantidade de produtos voltados exclusivamente para eles, tanto na área de moda como de tecnologia. Desenvolver uma campanha de educação e orientação visando ao esclarecimento sobre os malefícios da inadimplência e como evitá-los é um projeto de curto prazo ¿ afirma Aldo Gonçalves, presidente do CDL-Rio.

Para Fernando Lucena, consultor de varejo do Grupo Friedman, a paquera entre empresas e jovens reflete uma grande competitividade:

¿ As empresas vêm sendo obrigadas a reduzir margens e, por isso, precisam captar esse cliente mais cedo, para aumentar sua rentabilidade. E cliente novo é bem informado e mais crítico. É preciso aprender a vender para eles.

O número de estandes de bancos na universidade a cada início de semestre é um termômetro do assédio, diz Felipe Chaves, de 23 anos:

¿ Eles oferecem conta sem precisar comprovar renda e com isenção de taxas. O problema é que muita gente chega à faculdade sem saber sequer o que é crédito ¿ diz Felipe, que acha as ofertas da internet uma ameaça ao orçamento. ¿ É clicar e passar o número do cartão de crédito. Eu mesmo já passei do limite e só me dei conta quando chegou a fatura. Como tinha poupança, não fiquei inadimplente.

As irmãs Beatriz e Júlia Magella, de 18 e 16 anos, tentam driblar a tentação consumista compartilhando roupas e acessórios.

¿ A cada festa, a ordem é comprar uma roupa nova, mas isso é insustentável. Por isso, eu e minha irmã compartilhamos roupas e trocamos com amigas ¿ conta Beatriz.

Com a caixa de e-mail lotada de promoções, Júlia diz que já evita fazer cadastro nas lojas que frequenta:

¿ Tem loja que manda um e-mail por dia. E tem sempre promoção, novidades, vantagens. E isso é uma tentação. O problema é que o barato, como nunca é uma coisa só, sai caro.

Aos 19 anos, Yann Paranaguá reconhece que seu consumo não está de acordo com a maioria dos jovens que conhece. Para início de conversa, não há compra, diz, que não seja antecedida por pesquisa:

¿ Consumo aquilo que acho necessário e costumo comprar mais produtos tecnológicos. Mas não troco antes de ver se o novo produto tem realmente algo a mais. Pesquiso preço e vejo se há reclamações na internet, mas prefiro comprar na loja física. Tenho medo de ser lesado.

Para Carla Barros, antropóloga especializada em consumo, a questão não é consumir, são os excessos:

¿ Quando o consumo passa a ser fator de inclusão ou exclusão social, isso preocupa. O problema é que esse grupo ainda não tem maturidade. É preciso estar consciente de que o consumo, como qualquer outra área da vida, tem limites. É irreal pensar que é possível ter tudo. Também cabe aos pais estabelecer esses limites e dar o exemplo.

Para Heloisa Torres de Mello, gerente do Instituto Akatu ¿ pelo Consumo Consciente, a questão é a inversão de valores:

¿ Hoje as pessoas vivem para consumir e não consomem para viver. E o jovem está muito exposto. É preciso informá-lo mais para que possa decidir com a consciência do impacto do seu consumo.