Título: Angra ainda em risco
Autor: Bottari, Elenilce; Goulart, Gustavo
Fonte: O Globo, 04/01/2010, Rio, p. 9

Autoridades e especialistas afirmam que a situação na região é preocupante

Elenilce Bottari, Gustavo Goulart, Paulo Roberto Araújo, Taís Mendes e Tulio Brandão

TRAGÉDIA NA COSTA VERDE

Depois da tempestade, a apreensão.

Passados três dias da tragédia que matou 46 pessoas em Angra dos Reis, geólogos, meteorologistas e o próprio governador do Rio, Sérgio Cabral, são unânimes em afirmar que a situação na Costa Verde é preocupante. O Climatempo informa que a previsão para este mês na região é de um volume de precipitação superior à já alta média do período, de 276,4 milímetros. Diante deste quadro, geólogos alertam para os riscos de uma nova tempestade num solo instável e ainda encharcado pela tragédia do réveillon. O Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit), que liberou ontem uma pista da Rodovia Rio-Santos (BR-101), avisou que fechará a via novamente ao primeiro sinal de chuva.

O governador do estado, Sérgio Cabral ressaltou que, na Ilha Grande, a orientação da Defesa Civil é que apenas a população da Enseada do Bananal saia de suas casas por conta das fendas e do enorme risco de deslizamento com uma nova chuva. Mas afirmou que toda a Costa Verde inspira preocupação: ¿ Devido aos riscos em estradas e encostas, com deslizamentos e muitas áreas fragilizadas, e o fato de ser impossível afastar a possibilidade de novos temporais, comuns nesta época do ano, nos próximos dias a situação é de atenção geral na região.

No continente, já há famílias sendo desalojadas. O prefeito de Angra dos Reis, Tuca Jordão, anunciou um esquema de emergência para retirar as famílias das 16 casas do distrito de Praia do Jardim e 15 de Sapinhatuba 3, que vivem perto da zona mais instável da Rodovia Rio-Santos, onde há risco iminente de deslizamento de terra. O Colégio Naval de Angra vai alojar 40 famílias. Barracas de campanha serão montadas num campo de futebol para abrigar os demais desalojados. Quatro casas perto do deslizamento do Morro da Carioca foram derrubadas ontem pela prefeitura. Um levantamento publicado pelo GLOBO revela que há mais de 45 mil pessoas vivendo irregularmente nas encostas do município.

Outros trechos de deslizamentos

Jordão informou ontem que ainda há cerca de 20 pontos de maior risco de deslizamento no município.

Até agora, a Defesa Civil registrou 48 grandes escorregamentos de encosta, sendo 37 na Rio-Santos e 11 em bairros de Angra, onde, além do Morro da Carioca, há registros de deslizamentos em outros pontos: dois no Morro da Glória II; um no Morro da Cruz; um no Morro do Telis; um na Praia Grande; um no Retiro; um na Vila Velha; um no Bonfim; um no Encruzo da Enseada e um na Estrada Angra-Getulândia.

Além desses pontos e dos 37 deslizamentos na Rodovia Rio-Santos, há outros pequenos trechos de deslizamentos que não foram contabilizados pela prefeitura sob a alegação de que a administração municipal concentra os esforços nos pontos mais críticos.

Além desses, segundo a prefeitura, há dezenas de outras pequenas cicatrizes provocadas por deslizamentos nos morros da Costa Verde.

O volume esperado de chuvas nos próximos dias em Angra é preocupante.

A previsão climática do Climatempo para o período é de precipitação acima da média. Segundo a meteorologista Camila Ramos, nos próximos quatro dias, a previsão é de pancadas de chuva, com um acumulado preocupante de cerca de 50 mm: ¿ As pancadas de chuva podem cair em locais distintos, mas devem durar entre 15 e 30 minutos.

Caso o prognóstico se confirme, o risco de deslizamento cresce exponencialmente, uma vez que o solo ainda está encharcado pelas chuvas do réveillon. O meteorologista Marcelo Belassiano, que já trabalhou no Alerta-Rio ¿ órgão que emite alertas para risco de deslizamento na capital ¿ explica que, em caso de saturação do solo, muitas vezes basta uma chuva de 20 mm para gerar um grande risco de deslizamento.

Diante do quadro, o geólogo André Ferrari, da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que a situação é, de fato, preocupante: ¿ Os poucos dias de sol não foram suficientes para secar o solo.

Mesmo sem chuvas fortes, a situação é de pré-alerta. Há prováveis situações em que há instabilidade mas ainda não ocorreu o deslizamento.

A preocupação é razoável.

O geólogo Ivo Medina faz um alerta ao poder público: ¿ Há vários locais suscetíveis a deslizamentos, não só na cidade como na rodovia, alguns com risco iminente.

Aquilo é uma bomba relógio.

Após a interdição total no sábado, a Rodovia Rio-Santos foi reaberta ontem. O superintendente do Dnit, Marcelo Cotrim, disse que a fenda que ameaça a via será monitorada por técnicos: ¿ A rodovia será interditada novamente se for constatado risco iminente de deslizamento.

A instabilidade é tão grande que, mesmo em áreas com quase nenhuma ocupação na Ilha Grande, foram registradas cicatrizes na mata. O biólogo Mário Moscatelli registrou, em sobrevoo realizado no sábado, pelo menos cinco outros deslizamentos na encosta da região. Um deles fica à esquerda da área próxima à Pousada Sankay, na Enseada do Bananal, onde o imóvel de um médico mineiro, construída ano passado, escapou por um triz. A casa usada pelos operários até o dia 23 de dezembro foi totalmentente destruída. O cozinheiro do grupo, Denir dos Santos, falou do susto: ¿ A casinha em que nós estávamos desapareceu na lama. Escapamos por pouco. Iríamos ficar até o Ano Novo, mas o patrão nos liberou para passar o Natal com a família.

A assessoria de imprensa da Prefeitura de Angra informou que, na Estrada do Contorno, existem vários problemas de acesso. Além disso, durante a interdição da Rio-Santos, uma barca teve de ser colocada às pressas para transportar passageiros das praias de Camorim e do Machado para o Centro.