Título: Barraco oficial
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 02/10/2009, Economia, p. 31

Fazenda critica avaliação do BC de que gastos do governo podem pressionar juros e inflação

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, classificou ontem de ¿terrorismo¿ as avaliações de que a política fiscal do governo pressiona a inflação e pode levar o Banco Central (BC) a elevar juros no futuro. Segundo ele, as ações anticíclicas adotadas para estimular a economia ¿ que preveem aumento nos gastos públicos ¿ são compatíveis com o regime de metas de inflação. Na véspera, o BC elevara a projeção para 2010 de 3,9% para 4,4% ¿ o centro da meta é 4,5%.

¿ Há uma tentativa de terrorismo fiscal para provocar uma expectativa de elevação dos juros. Mas a realidade é que a política fiscal é consistente com as metas de inflação. Não vemos necessidade de aumento dos juros no futuro como está sendo projetado pelo mercado ¿ disse Barbosa.

A equipe da Fazenda está irritada com as avaliações que vêm sendo feitas sobre a política fiscal, e a gota d¿água foi o último relatório de inflação do BC. Os técnicos não gostaram da forma como o documento foi apresentado.

Nele, a autoridade monetária afirma que a elevação dos gastos do governo, especialmente com o funcionalismo, poderia ser um fator importante para aumentar a inflação em 2010. Isso significa que a instituição poderia ser eventualmente levada a subir os juros no ano que vem.

Barbosa faz menção à alta salarial no BC

Barbosa evitou criticar diretamente o BC, mas lembrou que uma das carreiras que foram contempladas com aumento de salário recentemente foi justamente a do BC, cujo salário médio subiu de R$ 10.600 para R$ 18.100 entre 2005 e 2009.

¿ Considerando os estímulos fiscais que estão sendo dados, a inflação projetada continua abaixo do centro da meta ¿ disse o secretário, para quem as projeções sobre juros estão equivocadas. ¿ O mercado também erra. Ele exagera na alta e é muito tímido na baixa.

Barbosa disse que o novo papel do Estado brasileiro, que inclui ações do governo para estimular a economia por meio de programas de distribuição de renda, não é aceito por integrantes da oposição e parte do mercado, que seriam os responsáveis pelo ¿terrorismo fiscal¿.

¿ Há quem diga que, se não voltarmos à política do Estado mínimo, a situação será insustentável. Isso é o que eu chamo de terrorismo, e com terrorista não se negocia ¿ disse Barbosa, lembrando que o relatório de inflação do BC pode servir de base para análises críticas feitas pelo mercado em relação à política fiscal.

O secretário destacou que a política fiscal é uma das responsáveis pela recuperação da economia, que deve crescer entre 4,5% e 5% em 2010. Ele também destacou que os gastos com o funcionalismo vão subir agora, mas se estabilizarão no ano que vem e voltarão a cair em 2011.

Barbosa também assegurou o cumprimento das metas fiscais e disse que elas estão mantidas em 2,5% em 2009 e 3,3% em 2010, e que não vê necessidade de o governo abater despesas com investimentos da meta deste ano para que ela seja realizada.

Segundo ele, embora as receitas do governo ainda não tenham se recuperado, elas acompanham o ritmo da atividade econômica e voltarão a subir no ano que vem.

As disputas entre BC e Fazenda são antigas. Desde que assumiu a Fazenda, o ministro Guido Mantega defende corte mais forte dos juros e sempre avaliou a conduta da autoridade monetária como tímida. A Fazenda também acredita que a solução para a forte valorização do real em relação ao dólar está numa compra mais forte de reservas, tarefa que caberia ao BC.

Defesa da tributação da caderneta

Outro ponto de divergência entre as duas partes ocorreu durante as discussões para a regulamentação do setor de cartões de crédito. Enquanto os técnicos da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), da Fazenda, defendem a imposição de uma regulação, o BC é mais favorável a que o setor se autorregule. Os técnicos da Fazenda chamam a posição do BC de ¿frouxa¿. Na falta de entendimento, o que se conseguiu fazer até agora foi publicar uma nota vaga com as linhas gerais onde o governo acha que se deve atuar.

Ontem, Barbosa defendeu o envio para o Congresso da proposta elaborada pela equipe econômica de tributação da caderneta de poupança. O projeto, que prevê a cobrança de 22,5% de Imposto de Renda (IR) para os depósitos acima de R$ 50 mil a partir de 2010, tem sido criticado por parlamentares da base governista, preocupados com o risco de que ele dê munição para a oposição às vésperas do ano eleitoral e atrapalhe a tramitação de projetos como os relativos à exploração do pré-sal.

Para o secretário, o projeto preserva o pequeno poupador e permite que o BC continue a reduzir as taxas de juros sem estimular a migração de grandes investimentos para a caderneta, o que desequilibraria o mercado.

A poupança tem remuneração de TR (Taxa Referencial) mais 0,5% ao mês.

Por isso, quando os juros básicos caem, corre-se o risco de ela render mais que outras aplicações