Título: 'Contratar não é inchar. Serviço público é feito por gente'
Autor: Nascimento, Antônio; Seleme, Ascânio
Fonte: O Globo, 12/09/2008, O País, p. 12

Entrevista - Alessandro Molon

Candidato do PT a prefeito, Alessandro Molon defende contratação de servidores para as áreas de saúde, transportes e educação

Sem arrependimento por ter feito acordo com o PMDB na pré-campanha, o deputado estadual Alessandro Molon, que disputa a prefeitura pelo PT, defende a contratação de mais servidores públicos para as áreas de transportes, saúde e educação, dizendo que isso não é inchar a máquina municipal. Camisa azul engomada com as mangas arregaçadas e estrelinha do PT no peito, Molon atacou os adversários Eduardo Paes (PMDB) e Jandira Feghali (PCdoB), mas preferiu não fazer comentários sobre Marcelo Crivella (PRB), todos da base do governo Lula. Em sétimo lugar no Datafolha, disse considerar que o PT está, sim, participando de sua campanha, apesar de ter recebido do partido só 10% do que foi doado a Marta Suplicy em São Paulo.

Qual o principal problema da cidade?

ALESSANDRO MOLON: A segurança é o maior problema.

Mas isso não é uma atribuição da prefeitura...

MOLON: Esse conceito vai além da segurança pública e passa pela idéia de se fazer com que a rua volte a ser nossa. Temos que andar nas ruas com tranqüilidade. É preciso viver numa cidade em que não se tenha medo de morrer de picada de mosquito, em que as crianças estejam na escola, em que haja creche, em que os idosos não tenham medo de cair numa calçada malconservada. Podemos fazer uma cidade mais iluminada. Escuridão é fator de insegurança. O Rio pode pôr a Guarda Municipal mais presente nas ruas, e não precisa estar armada com equipamentos letais.

A Guarda Municipal deve ser celetista ou estatutária?

MOLON: Deve ser estatutária. Foi um erro ter constituído a Guarda sob a forma de empresa pública com funcionários celetistas.

Mas aí não poderiam ser excluídos os maus funcionários...

MOLON: Isso é um problema quando as instituições não são ágeis e não estão ocupadas por um quadro de pessoas comprometidas. É preciso fazer processos e ter corregedorias que funcionem. Na nossa prefeitura, as multas não serão emitidas pela Guarda Municipal, e sim por agentes de trânsito concursados e treinados para essa finalidade, e estatutários.

Isso não resultará num aumento da máquina? Já há um déficit de funcionários nas ruas da cidade...

MOLON: Isso não é inchar. Serviço público é feito por gente. Existe um mínimo de pessoas necessário.

O senhor disse que vai retirar da Guarda a fiscalização de trânsito. O que vai fazer a Guarda?

MOLON: A Guarda é preparada, bem formada e com qualificação bastante razoável. O problema é que a Guarda não sabe para que existe. Na nossa prefeitura, ela estará nas ruas não só para fiscalizar as posturas municipais, mas sobretudo para garantir a proteção do cidadão. Isso se faz a partir de um gabinete com representantes das polícias Militar, Civil, Federal, da CET-Rio, da Defesa Civil e da Guarda para discutir as áreas integradas de segurança pública. Pode-se analisar a distribuição de crimes e discutir solução para os delitos.

Em que áreas da administração haverá mais contratação?

MOLON: Para agentes de trânsito e profissionais de saúde. Não é possível garantir o funcionamento adequado do sistema de saúde sem o programa Saúde da Família. É fundamental estendê-lo. Não se faz isso sem contratação de pessoal. O problema da saúde não vai ser resolvido com a construção de mais prédios. Vejo o candidato Eduardo Paes prometendo a construção de 40 UPAs. O problema da saúde no Rio não é falta de prédios, é falta de pessoal. Com certeza, na educação também.

Mas o senhor não teme quebrar a prefeitura assim?

MOLON: Quem corre o risco de quebrar a prefeitura são os que constroem a Cidade da Música por R$500 milhões. São R$150 milhões a mais do que gastaria para implantar o VLT do início da Barra até o fim do Recreio, pelo canteiro central da Avenida das Américas. Foi uma irresponsabilidade construí-la. Quanto valem as 93 vidas perdidas no Rio por causa da dengue? Não se resolve isso com construção de prédios, e sim com a extensão do programa Saúde da Família.

Por que o Saúde da Família é insuficiente? De quem é a culpa?

MOLON: Do prefeito. Ele não quis fazer os convênios, tem verba federal para isso no Ministério da Saúde para qualquer município. Não depende de afinidade política.

Quantos devem ser contratados para o programa funcionar?

MOLON: Para fazer 500 equipes de Saúde da Família com 60 núcleos de apoio, além das 150 que nós temos, é preciso gastar R$70 milhões por ano. Outros R$70 milhões são pagos pelo governo federal. Com isso se cobre 50% da população. Hoje são 7%. Isso vai economizar dinheiro dos hospitais, das emergências.

Como analisa a questão das favelas do Rio e sua expansão? Qual é a solução que o senhor propõe?

MOLON: Para resolver o problema da habitação, é fundamental que as soluções sejam integradas com uma política de transportes. Não vamos resolvê-lo só com política habitacional. Por isso é fundamental licitar as linhas de ônibus. É urgente e necessário licitar as vans.

Mas, em curto prazo, para as favelas, o que pode ser feito? Elas se expandem verticalmente também, inclusive em áreas de risco...

MOLON: Vamos atuar contendo a expansão, usando a autoridade que a prefeitura tem. Conter a expansão não é remover. Remover é quem já mora, expansão é quem está construindo. São coisas completamente diferentes. Nós vamos ter uma postura clara para isso, porque teremos política habitacional com construção de moradias populares. Vamos oferecer lotes urbanizados para construção em mutirão. Teremos autoridade para impedir a expansão. A solução para a moradia no Rio não é fechar os olhos, e a prefeitura ser omissa, permitindo que as favelas se expandam e que a cidade se degrade.

O senhor está dizendo que hoje a prefeitura é omissa?

MOLON: Sim, porque não tem política habitacional nem de transportes. Como não tem nenhuma das duas, a solução que encontram é simplesmente não impedir a expansão e criar desculpas, como dizer que a expansão não é horizontal. Isso é uma desculpa, porque de qualquer maneira está se adensando a região. A qualidade de vida vem piorando, e não é por acaso que os índices de tuberculose na Rocinha são altíssimos, não há circulação de ar. É um problema de saúde pública e de saneamento.

Em relação ao trânsito, o senhor tem alguma proposta?

MOLON: Aposto, sobretudo, no transporte de massas. Acho que o nosso desafio é garantir que o transporte sobre trilho, em especial, se torne cada vez mais eficiente no Rio. É verdade que a Supervia e o Metrô são concessões estaduais. Portanto, vamos fazer uma parceria com Metrô e Supervia para integrar esses transportes no bilhete único. Já conversei a respeito com os presidentes das duas instituições, que aceitam discutir isso porque sabem que podem aumentar a quantidade de passageiros transportados. Além disso, vamos buscar recursos no governo federal para construção do VLT. Outra linha de VLT que precisa ser construída é a ligação Barra-Penha, num trajeto semelhante ao do corredor T-5, passando por Jacarepaguá e Madureira, e se integrando com a linha Barra-Recreio. Há dinheiro do PAC da Mobilidade, que o Rio não pediu, e que a nossa prefeitura vai pedir ao governo federal.

Qual será o modelo de operação do VLT? Concessão?

MOLON: É um modelo operado pela prefeitura.

Estatal?

MOLON: Sim.

Qual será o seu modelo de prefeitura: estatizar ou conceder serviços à iniciativa privada?

MOLON: No caso do VLT, será operado pela prefeitura. E não há sombra de dúvidas de que a prefeitura tem condições de fazer isso.

A prefeitura opera alguma coisa nesse sentido?

MOLON: Nesse ramo, não. Mas, por exemplo, o Metrô já foi estadual. A SuperVia já foi estadual. Isso não é problema.

Por que o senhor acha que essa é a melhor solução?

MOLON: Porque, para não ser estatal, só se houver investimentos da iniciativa privada na construção. Eu não concordo em usar o dinheiro público para fazer um investimento e o dinheiro privado ficar com o lucro.

Voto contra Lins prejudicou aliança com PMDB, afirma

Molon diz que não se sentiu traído por rompimento do acordo e que "gostaria" de que Lula participasse da campanha no Rio

O senhor se sente traído pelo PMDB, já que a aliança com o partido foi rompida?

MOLON: Não. Por que traído pelo PMDB?

Magoado, talvez?

MOLON: Não.

Feliz, então? Algum sentimento deve haver...

MOLON: Meu sentimento é o de preservar a minha biografia. De ter sido coerente com minhas posições. Quando votei contra a soltura do deputado Álvaro Lins, mesmo sabendo que isso poderia prejudicar a aliança, fiz convencido de que cumpri com o meu dever. Por essa razão, meu sentimento é de estar sendo coerente e honrar com o voto de cada um dos meus eleitores.

Mas, quando aceitou o apoio do deputado estadual Jorge Picciani, o senhor foi coerente com a sua biografia?

MOLON: Sim, fui coerente porque não revi nenhuma das minhas posições, não retirei nenhuma das palavras que dissera anteriormente. Receber o apoio certamente é coerente. Sem aliança espúria, sem promessa de secretaria, sem ter assumido nenhum compromisso que não seja publicável é plenamente coerente. É diferente de dar apoio. Tenho absoluta certeza de que deveria ter recebido, e, se tivesse que perdê-lo por coerência com a minha história, deveria perdê-lo, como perdi. Não posso assegurar por qual razão foi. Talvez esse voto no caso do Álvaro Lins tenha tido um peso importante.

O quadro de alianças nestas eleições está confuso, ainda mais com esses encontros entre PCdoB e Crivella. O que o senhor tem a comentar sobre isso?

MOLON: Desconheço essas reuniões. Tomei conhecimento pela imprensa, não participei e não pretendo participar. Quero trabalhar intensamente nesta reta final, na qual os eleitores vão se decidir. A maioria está indecisa. O quadro ainda vai se definir. Queremos disputar cada voto e ir para o segundo turno.

Não é muito pouco o PT, partido do presidente da República, oscilar só até 4% nas pesquisas de intenção de voto?

MOLON: Depende de uma série de fatores. Nós estamos lutando para vencer o desconhecimento. É a minha primeira eleição majoritária. Minha situação é contrária à de todos os outros candidatos entrevistados pelo GLOBO. Eles têm índices de conhecimento superiores aos meus.

Qual é a maior dificuldade para o senhor?

MOLON: A dificuldade maior é me tornar conhecido. A cobertura jornalística da campanha infelizmente não cobre o universo do eleitorado. Ele começa a ser atingido pela campanha de televisão, que começou há menos de 20 dias.

O fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ter lado no Rio, ao contrário de São Paulo, onde foi à campanha, atrapalha a candidatura do senhor? Parece que ele tem quatro lados no Rio...

MOLON: Essa situação de o presidente não entrar de cabeça na campanha do Rio é a mesma de outras 21 capitais do país. Em apenas quatro ele participa diretamente da campanha. Nas outras 21 a base está dividida, e o presidente não está participando da campanha. Portanto, essa é a regra, não a exceção. Gostaria que ele participasse da campanha no Rio, mas compreendo que não é possível, visto que o presidente está cuidando da governabilidade a partir do dia 26 de outubro.

O senhor então acredita que é o candidato do Lula?

MOLON: Tenho certeza absoluta. Se o presidente votasse no Rio, iria teclar o 13 no dia 5 de outubro.

O senhor se sente abandonado pelo PT, visto que o partido deu mais dinheiro para a campanha da Marta Suplicy em São Paulo?

MOLON: Não me sinto abandonado. Em momento algum o PT disse que teria condições de sustentar minha candidatura ou de repassar recursos em quantia volumosa. Não me frustra porque não esperava esse tipo de ajuda.

Como o senhor avalia o processo de tomada do Estado por organizações criminosas? Até em função de alianças que estão sendo feitas nesta campanha eleitoral...

MOLON: É extremamente perigoso, grave e merece, primeiro da parte dos partidos, uma resposta firme. Por essa razão pedi a expulsão do deputado Jorge Babu, e de seu irmão, que é candidato a vereador. Esse é um risco, de fato, de captura do Estado pelo crime. As diversas pessoas ligadas à milícia e representantes do tráfico de entorpecentes devem ser enfrentadas com seriedade e com firmeza pela próxima prefeitura. Podemos fazer isso implantando o modelo do orçamento participativo, que envolve a população. Faz com que os investimentos da prefeitura deixem de ser vistos como favores.

O senhor se sente constrangido pela presença do Jorge Babu no seu partido?

MOLON: Tenho certeza de que a presença dele é prejudicial para a imagem do PT como um todo, mas sei que não contamina minha imagem porque quem acompanha meu trabalho sabe da minha luta contra esse tipo de prática, contra qualquer tipo de desvio de conduta na minha vida pública toda. Mas prejudica a imagem do PT, que precisa dar uma resposta firme para isso. Espero que a expulsão seja deferida.

Mas já compromete o fato de o PT dar a legenda para o irmão dele concorrer... Os partidos não são muito lenientes?

MOLON: Não há a menor dúvida. Acho que sim. É um problema real que precisa ser enfrentado, e vou lutar dentro do PT para que essa postura seja mudada.

Mas o apoio do Picciani não foi ruim para a sua biografia?

MOLON: Essa pergunta deve ser feita ao Eduardo Paes, ele é que recebe o apoio do deputado Picciani. Eu recebi o apoio dele e do PMDB até o momento em que, por alguma razão, a minha candidatura foi considerada inconveniente. Tenho certeza de que foi pelos meus méritos, não pelos meus defeitos.

A candidata Jandira Feghali está pedindo voto útil, inclusive para eleitores do seu partido. Como o senhor vê essa situação?

MOLON: Eu não considero uma boa postura a 20 dias das eleições. Esse argumento do voto útil é para quem não tem outro para ganhar voto. Não considero uma boa estratégia. Eleição de dois turnos é voto no primeiro e veto no segundo. É isso que a democracia ensina.

Já que o senhor diz que não vai misturar religião e política, considera que o Crivella fará isso?

MOLON: Com toda a franqueza, eu não vim aqui para julgar os outros candidatos. Quero apresentar as minhas propostas. Eu discordo de uma série de posições dele, não só no que diz respeito a essa questão. Mas prefiro falar das minhas propostas para a cidade.

Participaram da entrevista: Antônio Nascimento (editor de Esportes), Ascânio Seleme (editor executivo), Cristina Alves (editora de Economia), Adriana Oliveira (editora assistente de Rio), Cássio Bruno (repórter de País), Helena Celestino (editora executiva), Luiz Novaes (editor executivo), Paulo Motta (editor de Rio), Rodolfo Fernandes (diretor de Redação) e Silvia Fonseca (editora de País).