Título: Argentina busca pequeno investidor
Autor: Filgueiras, Maria Luíza
Fonte: O Globo, 14/08/2008, Finanças & Mercados, p. B1

São Paulo, 14 de Agosto de 2008 - O mercado acionário argentino começa a se movimentar para atrair investidores pessoa física, pequenas e médias empresas e promover melhores práticas de governança corporativa, seguindo o caminho trilhado pela Bovespa no Brasil. Entretanto, precisa quebrar a desconfiança do investidor em relação ao mercado financeiro, resquício do ano 2001, quando o governo congelou o acesso aos depósitos bancários. "O trabalho é de recuperar a confiança e inserir a cultura de investimento", afirma Eduardo Hecker, presidente da Comissão Nacional de Valores (CNV), autarquia reguladora do mercado. Pesquisa encomendada pela CNV, feita com cerca de 300 argentinos de diferentes classes sociais e regiões do país, apontou que 70% dos entrevistados não conhecem o mercado de capitais e não têm idéia da função da bolsa na economia nacional. Apenas 8% das pessoas já tinha efetuado pelo menos um investimento em bolsa de valores. "Não há tradição de compra de ações. O setor público tem que agir como regulador e educador e o setor privado avançar com volumes e transparência", diz. O número oficial em 2007 apontava que cerca 4% da população argentina investe em ações. Para retomar a confiança desse público, o órgão regulador vem promovendo debates educativos sobre valores mobiliários e publicou, em julho deste ano, um código de defesa para proteção do investido. Também entra em vigor, em 2009, o código de boas práticas societárias, que regirá empresas que façam IPO, com exceção daquelas contempladas no regime Pyme, de pequenas e médias empresas (semelhante ao Bovespa Mais), que têm regras diferenciadas. Para prevenir fraudes corporativas e surpresas ao investidor, as normativas incluem detalhamento sobre relação do controlador com subsidiárias e outros grupos econômicos ¿ evitando o que no Brasil tem ficado conhecido como "aranha societárias", em que o pequeno acionista mal sabe quem controla a companhia e onde ela está inserida. Muitas vezes, o controle é garantido por acordos societários. A questão do controle, especificamente, não é um problema no mercado vizinho, já que a maioria das empresas tem free-float de 30%, conforme Hecker - então o majoritário não precisa de grandes artimanhas para fazer valer sua decisão. Além disso, a intenção da governança é atrair maior número de investidores e maior valorização de mercado, "como comprova a experiência internacional". Na Bovespa, companhias listadas no Novo Mercado têm apresentado oscilação de capitalização bursátil inferior à média geral da bolsa este ano. Apesar do conturbado cenário econômico e político, o mercado acionário da Argentina começou a dar sinais de reação. De 2000 a novembro de 2006, nenhuma oferta inicial de ações (IPO) foi feita na Bolsa de Comercio de Buenos Aires (BCBA), mas no último ano e meio foram cerca de 12 IPOs, incluindo nomes importantes como o grupo de comunicação Clarín. Hoje são 110 empresas listadas na BCBA, contra 443 na Bovespa. Conforme dados da CNV, enquanto o valor de mercado das empresas abertas representava 26% do PIB argentino em 2006, a relação da bolsa paulista com o PIB brasileiro era de 55%. "Nos anos 60, eram 400 empresas listadas na Argentina, que foram fechando o capital e, mesmo com um novo movimento na década de 90, com privatizações, os números não voltaram àquele patamar", diz Hecker, que considera a crise atual do país mais política que econômica. Nesse movimento, o mercado brasileiro acabou se tornando alternativa para empresas argentinas. Ontem, a GP Investimentos pediu registro à Comissão de Valores Mobiliários para abrir aqui o capital da San Antonio, sua controlada argentina. Para especialistas, o fortalecimento da bolsa argentina não criaria uma competição com o mercado brasileiro ¿ ao contrário, pode adicionar força à região na atração de recursos globais. Ex-presidente da CVM, Tomás Tosta de Sá acredita que a Bovespa vai se consolidar cada vez mais como o grande centro de liquidez da América Latina, com as bolsas nacionais do Chile, Argentina, Peru e México negociando empresas de menor porte localmente. "Vejo nossa bolsa, em quatro a seis anos, batendo 140 mil pontos. A Bovespa é a bola da vez, mas o fortalecimento de bolsas vizinhas pode formatar um avanço regional e atrair mais investidores", diz Tosta de Sá. Para o executivo, a tendência é que as empresas sejam bilistadas, o que permite atrair atenção de um maior número de poupadores. Para o economista Alcides Leite, professor da Trevisan Escola de Negócios, o mercado acionário reflete a força da própria economia ¿ o que deve dificultar a recuperação dos volumes da Argentina. "A bolsa reflete o fortalecimento das instituições do país e a Argentina está muito atrasada em aspectos como política econômica, democracia, estado de direito", avalia. "Mas, ainda que haja aquecimento da bolsa local, não cria competição com o mercado brasileiro." A idéia de criação da BM&FBovespa foi justamente de atrair um número maior de empresas com listagem de BDRs, e é a bolsa que responder por 80% do mercado de capitais da América Latina, como ressalta Roberto Teixeira da Costa, especialista em mercado de capitais. Ele avalia que, em termos gerais, tudo o que acontecer de bom para Argentina, é bom para o Brasil, já que são parceiros importantes de comércio. "O timing (para promoção da BCBA) pode não ser ideal, com a fase conturbada do país, mas não impede que os trabalhos comecem a ser feitos. Para investimento, muitas empresas brasileiras estão comprando companhias argentinas, e podem garimpar por ações também", avalia Teixeira da Costa. (Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 1)(Maria Luíza Filgueiras)