Título: Crime sem castigo para repressores brasileiros
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 03/08/2008, O Mundo, p. 41

Governo só agora começa a debater possibilidade de julgar ex-torturadores

Evandro Éboli

BRASÍLIA. No Brasil, é consenso entre militantes de direitos humanos, familiares de desaparecidos e perseguidos políticos e organizações da sociedade civil: a Justiça brasileira está longe seguir os tribunais de Argentina, Chile e Uruguai. No país, não há caso de julgamento de agentes da ditadura militar que torturaram e assassinaram manifestantes da esquerda. As autoridades brasileiras ainda discutem se cabe ou não punição para esses militares. O ministro da Justiça, Tarso Genro, e secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, defenderam esta semana a punição dos torturadores.

Para o advogado Belisário Santos Júnior, que defendeu presos políticos e integra a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, o direito internacional considera tais crimes imprescritíveis. Belisário estabelece diferenças entre a ditadura brasileira e desses países vizinhos, e afirma que no Brasil não houve, como em outros lugares, clamor da população para que os responsáveis fossem punidos.

- Na Argentina, no Chile e no Uruguai, a violência foi maciça, e a cobrança da cidadania era mais viva. No Brasil, a violência foi mais seletiva, cometida com Congresso aberto e algumas instituições funcionando. Aqui, você não vê as pessoas nas ruas clamando por justiça nesses casos. Reconhece-se que os torturadores devem ser punidos, mas não é algo visceral - disse Belisário Júnior.

Para Tarso Genro, tortura é crime comum, e não político

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou que o Brasil está muito atrasado no reconhecimento do que chamou de "atos de sangue e tortura" praticados por agentes do Estado. Para ele, a Lei da Anistia não pode ser escudo de impunidade a quem agiu contra os opositores do regime.

- O Brasil não só não puniu, mas também impôs uma absurda censura no que se refere a atos praticados durante a ditadura militar. São dois erros graves. Anistia não é amnésia. Todos têm o direito de saber o que aconteceu no submundo dos órgãos de repressão. O que não se pode é anistiar sem saber o quê? - disse Britto.

Pela primeira vez, o governo debate a possibilidade de se julgarem os militares da repressão. Dias atrás, num seminário sobre o tema, o ministro da Justiça defendeu a responsabilização civil e criminal dos militares que atuaram na repressão.

- Na época do regime militar não era permitida a tortura. O delito não é político, é comum - alegou Tarso.

Paulo Vannuchi, também defendeu a punição para esses militares. Na opinião do advogado Augustino Veit, ex-presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, o Brasil começa a engatinhar na apuração dos abusos dos governos militares.

- O Poder Executivo e o Congresso Nacional nada têm feito para esclarecer esses fatos. É preciso saudar essa ação dos procuradores para que esses crimes não sigam para o esquecimento eterno - disse Veit.