Título: Ainda o petróleo
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 06/07/2008, Opinião, p. 7

Em artigo anterior neste jornal e no Senado estimulei discussão sobre o marco regulatório do petróleo, tendo como pano de fundo as extraordinárias descobertas do pré-sal, que mudaram inteiramente a realidade dos hidrocarbonetos no Brasil.

Alguns tentaram apequenar esse debate transformando diálogo estratégico para a nação em conflito provinciano em torno da distribuição de royalties. Felizmente, boa parte da opinião pública começa a perceber que a discussão proposta diz respeito ao futuro do Brasil e visa a evitar que cometamos os erros históricos de muitos países produtores de petróleo, os quais gastaram mal a riqueza que poderia tê-los levado a dar salto qualitativo de desenvolvimento.

Nesse contexto, é necessário esclarecer pontos importantes. Em primeiro lugar, é imprescindível que as concessões da ANP relativas às áreas que não estão no pré-sal tenham continuação. Tais áreas não necessitam de novas regras, já que são prospectadas com risco. Em segundo, é vital que os contratos relativos aos campos de pré-sal já descobertos sejam respeitados. Não podemos criar incertezas jurídicas que afetem nossa confiabilidade internacional.

Agora, bem, em relação aos campos ainda não prospectados do pré-sal são necessárias novas normas. Todas as 18 prospecções exploratórias acharam grandes quantidades de gás e óleo, uma taxa de sucesso de 100%. É possível que o pré-sal seja um gigantesco megacampo que demandaria a "unitização" das reservas, já prevista na Lei do Petróleo. Assim sendo, é muito provável que futuros leilões de exploração de campos nessa área, caso realizados com as regras atuais, não vendam concessões em contratos de risco, mas bilhetes premiados com grande retorno garantido. Ora, como o óleo das reservas pertence à União, a concessão sem risco, pela qual a propriedade do petróleo passaria à empresa, implicaria prejuízo ao interesse público.

Dito isto, creio ser necessário debater cuidadosamente o tema e julgo precipitada a proposta de criar estatal para gerir as novas reservas. No Brasil, temos empresa pública, a Petrobras, com vasta experiência e tecnologia comprovada. Por tal razão, oponho-me à sua exclusão do gerenciamento das novas áreas. Ela deve ser a grande parceira do Estado brasileiro na exploração do pré-sal. Um regime de partilha bem calibrado, como defende a Petrobras, a ser gerenciado pela ANP, pode ser alternativa viável.

Deve-se rever também os critérios que embasam a distribuição das participações especiais para a União, os estados e os municípios. Pela norma atual, apenas os poços de grande produtividade têm de pagar até 40% do valor de sua produção em participações especiais. Por isso, entre janeiro e março deste ano, somente 14 das 74 plataformas marítimas e 6 das 179 em terra pagaram essas participações. Porém, dado o preço internacional do barril, os poços têm hoje muito mais rentabilidade. A revisão desses critérios aumentaria consideravelmente o recolhimento das participações, sem prejudicar investimentos.

É necessário, ademais, rever a hiperconcentração na distribuição dos royalties. Nove municípios fluminenses recebem 62% do total dos royalties municipais, ao passo que os outros 5.555 municípios brasileiros (83 do Rio de Janeiro) pouco recebem. Com as novas descobertas, tal hiperconcentração será multiplicada. Ademais, é preciso modificar os parâmetros para se definir os entes federados "confrontantes" às áreas de produção. Como o próprio IBGE reconhece, os critérios em vigor privilegiam os municípios com margens costeiras convexas e prejudicam muito aqueles com zonas costeiras côncavas, potencializando a hiperconcentração.

O debate essencial, contudo, tange ao uso dos recursos do petróleo. Temos de evitar a "doença holandesa", que vitimou países da Opep, levando-os a desperdiçar sua riqueza em consumo de bens importados e gastos perdulários, a criar gigantescas burocracias e a não construir os fundamentos destinados a promover o desenvolvimento sustentado. A criação de fundo soberano, como o da Noruega, nos permitiria usar os recursos com critérios intergeracionais e investir em educação e projetos estruturantes para o desenvolvimento do Brasil.

Estamos diante de oportunidade histórica que não pode ser desperdiçada. Com os recursos do pré-sal poderemos ascender a novo patamar de desenvolvimento. Temos vantagens relativamente a muitos grandes produtores de petróleo, como economia diversificada e vasto potencial de crescimento endógeno. Mas a vantagem crucial é a democracia, que nos permite debater livremente todas as questões, inclusive, e ainda, o petróleo.

ALOIZIO MERCADANTE é senador (PT-SP).

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