Título: Para acabar com o analfabetismo
Autor: Ramos, Mozart Neves; Cruz, Priscila
Fonte: O Globo, 17/06/2008, Opinião, p. 7

É bem conhecido o fato de que estímulos educativos nos primeiros sete anos de vida têm impactos importantes na formação da personalidade e no desenvolvimento de uma criança. Recentemente, um estudo realizado pelas pesquisadoras Fabiana de Felício e Lígia Vasconcellos (disponível em www.deolhonaeducacao.org.br) mostra com clareza, e traduz em números, a importância da educação infantil (creche e pré-escola) para o desempenho escolar dos alunos nas séries seguintes.

Os resultados foram aferidos com base nos atuais instrumentos de avaliação do ensino público no Brasil, mais precisamente o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e a Prova Brasil. A partir de simulações estatísticas, os números revelam que se uma criança, nos seus cinco primeiros anos de vida, freqüentar a creche e a pré-escola, o seu desempenho na 4ª série do ensino fundamental, no Saeb, melhorará em 15,2%. E mesmo que ele freqüente somente a pré-escola, esse incremento já é de 11,1%.

Uma análise, por região geográfica, mostra que o incremento de desempenho para as crianças do Sudeste é de 33,6%, enquanto para aquelas do Nordeste é de 19,5%. Levando-se em conta que esta última registra os piores indicadores de desempenho, essa disparidade revela claramente o peso da qualidade no potencial impacto da educação infantil nas séries seguintes.

Os resultados desse estudo reforçam a tese da necessidade de se olhar com mais atenção para a educação infantil, não apenas no que se refere à freqüência escolar, que é essencial, mas que ocorra com a qualidade desejável.

O Brasil praticamente já universalizou o acesso ao ensino fundamental; hoje, 97,2% de nossas crianças estão matriculadas nessa etapa da escolarização. Mas, na pré-escola (crianças de 4 e 5 anos), esse percentual é de apenas 67,6%. E na creche, o percentual é vergonhoso: 15,5%! De acordo com o Plano Nacional de Educação, o acesso à creche deveria chegar a 30% em 2006, e a 50% em 2011. Pelo andar da carruagem, essa meta certamente não será cumprida.

O movimento Todos Pela Educação trabalha para que todas as crianças estejam plenamente alfabetizadas pelo menos até os oito anos de idade. Essa é a Meta 2 do movimento que entende que, sem que ela seja alcançada, todas as demais vinculadas à aprendizagem ficarão comprometidas. Os dados acima comprovam, pelo menos em parte, essa preocupação.

Uma importante iniciativa, lançada recentemente pelo Ministério da Educação, foi a implantação da "Provinha Brasil", para aferir o grau de leitura de crianças nessa faixa etária. Se bem conduzida, quanto a sua aplicação, ela poderá dar subsídios importantes para "fechar a torneira" do analfabetismo no Brasil. Além disso, dará uma importante contribuição para que o país continue antecipando as metas previstas no Plano de Desenvolvimento da Educação.

Em Minas Gerais, um exame similar já vem sendo desenvolvido há quatro anos pela Secretaria de Educação, em parceria com os gestores municipais. Os resultados obtidos são extremamente auspiciosos. Por exemplo: as crianças mineiras de oito anos apresentam o mesmo desempenho das crianças de dez anos no Brasil! Cada criança é acompanhada, no que se refere ao seu desempenho, como se fosse única. Como diz a secretária de Educação de Minas Gerais, Vanessa Guimarães, cada criança tem um "chip", ou seja, uma identificação própria, de forma que a ela seja assegurada a alfabetização plena.

Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei, de proposta do senador Cristovam Buarque, para que toda criança tenha a matrícula assegurada já na pré-escola, portanto, aos quatro anos de idade. Se aprovado, e bem planejada a sua implementação com os gestores públicos, garantirá, em curto prazo, um salto de qualidade na educação brasileira, na sua base. O financiamento para isso pode vir do próprio Fundeb, que, diferentemente do Fundef, prevê recursos para essa etapa de formação escolar de nossas crianças. Um dos reflexos dessa medida se fará sentir na alfabetização dessas crianças.

O estudo das pesquisadoras Fabiana de Felício e Lígia Vasconcellos, assim como os bons exemplos que estamos acompanhando, deixam uma mensagem importante para os próximos governantes municipais: o de fazer constar, em suas agendas de prioridade, a universalização das matrículas, pelo menos na pré-escola, para todas as crianças de seu município, fechando de vez a "torneira" do analfabetismo.

MOZART NEVES RAMOS e PRISCILA CRUZ são dirigentes da organização não-governamental Todos Pela Educação.