Título: Alerta nas contas externas
Autor: Batista, Henrique Gomes; Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 27/05/2008, Economia, p. 17

Déficit de US$14 bi até abril é recorde. Para analistas, há risco a médio prazo

Entre janeiro e abril deste ano, o Brasil apresentou um déficit em conta corrente - transações realizadas com o resto do mundo - de US$14,068 bilhões, segundo dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC). O resultado é o maior para o primeiro quadrimestre em toda a série histórica, iniciada em 1947. Por outro lado, no período, o ingresso de investimentos estrangeiros diretos também foi recorde: US$12,671 bilhões. Para economistas, a combinação desses resultados afasta o risco de vulnerabilidade externa - excessiva dependência de financiamento internacional para fechar as contas. Mas só a curto prazo.

As transações correntes e a conta de capital (formada pelos investimentos diretos e de portfólio) compõem o balanço de pagamentos. Até o fim do ano passado, ambas as rubricas estavam positivas. Porém, com a queda do saldo comercial (de US$12,898 bilhões no primeiro quadrimestre de 2007 para US$4,579 bilhões) e o aumento das remessas de lucros e dividendos (de US$5,175 bilhões para US$12,358 bilhões), as transações correntes ficaram negativas. Passaram a ter de ser financiadas, dessa forma, pelos investimentos, que somam US$29,290 bilhões em 2008. Até agora, a cobertura tem ocorrido com folga.

- Nosso resultado ainda é confortável. O valor ainda não é preocupante, pois é coberto pelo investimento estrangeiro direto. A qualidade do déficit é melhor, pois estão saindo do Brasil lucros, que podem voltar como investimento. E a situação da balança comercial deve mudar - afirmou Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do BC.

Para BC, ajuste virá do câmbio flutuante

Os analistas concordam, mas ponderam que o problema é a manutenção dessa tendência.

- Se você tirar uma fotografia do atual momento, realmente não há nada muito preocupante. O déficit é mais que financiado pelo investimento direto. O problema pode surgir a médio, longo prazo, de três a cinco anos. Atualmente o déficit corresponde a 1% do PIB. Se no próximo ano dobrar, ainda estaremos bem. O problema é se ele continuar a crescer - disse Luis Fernando Lopes, economista-chefe do Banco Pátria de Investimentos.

- Toda vez que o Brasil teve déficit em transações correntes, ficamos vulneráveis às crises externas. O governo precisa tomar medidas na área cambial para inverter essa situação - alertou Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP.

Lacerda explicou que, ao elevar a taxa de juros, o real será ainda mais apreciado, retirando competitividade das exportações e reduzindo ainda mais o saldo comercial. Pode ser que, até a médio prazo, os investimentos (que dependem do humor e da confiança de quem os faz) não cubram mais o déficit corrente, pondo em xeque os ganhos macroeconômicos dos últimos anos.

"Não pode deixar de ser sublinhado que esses déficits, caso não sejam invertidos, implicam, ao longo do tempo, ampliação do passivo externo do país, cujo financiamento pode tornar-se insustentável, como já ocorreu no passado, podendo levar a problemas cambiais", alertou, em nota, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que descarta problemas a curto prazo.

O Ministério da Fazenda concorda com a avaliação. Nos bastidores, técnicos alegavam esse risco para acelerar a política industrial. Visando a elevar a competitividade das empresas brasileiras no exterior, o plano pretende justamente atenuar parte das perdas com o real forte. O mesmo argumento se aplica à defesa do fundo soberano.

Já a diretoria do BC tem visão totalmente distinta. Acredita que o câmbio flutuante vai ajustar naturalmente as contas externas. Também considera pouco o déficit corrente projetado em US$30 bilhões em 2010 - que seria facilmente financiado pelos US$40 bilhões de investimento direto previstos para o mesmo ano. Além disso, defende que as reservas estão gordas (US$198,7 bilhões), que a abertura de capital na Bovespa vai continuar atraindo recursos de portfólio e, em último caso, com o grau de investimento o Brasil, se precisar, poderá pegar emprestado a baixo custo. Em abril, a conta corrente ficou negativa em US$3,310 bilhões. Para este mês, o BC estima déficit corrente de US$1,5 bilhão.

Três setores respondem por 56,5% das remessas deste ano: serviços financeiros (US$2,285 bilhões, 25,1% do total), automotivo (US$1,881 bilhão, 20,7%) e metalurgia (US$975 milhões, 10,7%).