Título: OAB: lei da época previa censura, não tortura
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 17/05/2008, O País, p. 12

Entidade diz que anistia não pode significar amnésia

SÃO PAULO. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que já mantém uma ação no Superior Tribunal Militar (STM) por causa dos arquivos secretos, apoiou as avaliações jurídicas do ministro da Justiça, Tarso Genro.

- A censura, por exemplo, poderia até estar amparada (nas leis da época), mas a tortura não. Há muito a OAB mantém o pressuposto de que anistia não significa amnésia ou esquecimento. Tratam-se de crimes de agente de estado que feriram a lei da época, que já proibia a tortura- disse o presidente da OAB, Cézar Britto.

Para as entidades de defesa dos direitos humanos, é chegado o momento de o país reconhecer inclusive que os crimes não foram cometidos pelo Estado, mas por indivíduos que deveriam inclusive arcar com as indenizações dos torturados políticos.

- Neste país os torturadores continuam impunes e os desaparecidos continuam desaparecidos. Esta é a primeira vez na História que se lança uma ação para punir os criminosos da ditadura - disse Ivan Seixas, do Fórum de Ex-Presos, e ex-guerrilheiro do MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes).

Seixas afirmou ainda que não vê problemas em a Lei da Anistia ser reinterpretada para os dois grupos de interessados:

- Eu topo abrir os arquivos e fazer a lei valer para os dois lados. Nunca torturamos. Eu, por exemplo, fui guerrilheiro e nunca matei nem torturei ninguém. Tomei fábrica, fiz enfrentamento político. Fui preso por seis anos, três deles em um manicômio, e fui muito torturado. Gostaria muito de ver justiça- afirmou Ivan Seixas.

"Levei tapas, choques, quase perdi meus filhos"

Animada pelas declarações do ministro e a ação do Ministério Público, a viúva de Virgílio Gomes da Silva, Ilda Martins da Silva, de 77 anos, visitou ontem a cela onde ficou nove meses presa, hoje espaço integrante do Memorial da Resistência. Virgílio, ex-militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), usava o codinome Jonas e morreu sob tortura. Dona de casa, Hilda nunca integrou uma organização política, mas passou a ser torturada, junto com os três filhos pequenos, depois de Jonas ter sido morto pelos militares. O corpo dele nunca foi localizado.

- Queriam que eu contasse coisas que ele foi morto sem contar. Coisas que eu nem sabia, não entendia. Eu amamentava meu bebê de quatro meses e eles prenderam os meus filhos. Levei choques, tapas, chutes, quase perdi meus filhos. E o pior: se passaram 36 anos e eu nunca pude enterrar meu marido, levar uma flor ao seu túmulo. Para mim, continuo torturada. Tudo o que queremos é a abertura dos arquivos, a localização do corpo e, quem sabe, a punição dos nossos torturadores - disse Ilda.