Título: A última chance
Autor: Cavalcanti, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 10/05/2009, Brasil, p. 16

Projetos pioneiros de conservação, como a criação de reservas no oceano, mostram que, apesar da degradação dos recifes, ainda existe esperança. O peixe fluorescente, que voltou a ser visto em reserva marinha

Leonardo Cavalcanti/CB/D.A Press Barcos no início da área fechada marinha de Tamandaré: proibição de pesca e turismo A entrada da praia de Tamandaré, no litoral sul pernambucano, distingue-se de todas as outras da região. O monótono cenário das plantações de cana-de-açúcar é substituído pelo verde fechado da Mata Atlântica. É verdade que trata-se de um trecho mínimo, 6km², mas o fato de serem encontradas árvores nativas no meio da devastação provocada por usinas e pela ocupação urbana desordenada é quase um milagre. Ao cruzar a pequena floresta em direção à praia, o forasteiro tem outra surpresa. Em um trecho de mar de 4km², cercado por boias pretas para isolar a área de pescadores e turistas, estende-se uma reserva marinha.

O espaço fechado existe há 10 anos e está localizado dentro da Área de Proteção Costa dos Corais, entre municípios de Pernambuco e Alagoas, criada por decreto federal em 2007. A reserva partiu de um acordo entre a prefeitura, a comunidade e uma parceria entre professores da Universidade Federal de Pernambuco e o Ibama. É mantida por recursos do Instituto Recifes Costeiros, uma organização não governamental.

A área serve de laboratório de pesquisas, mas o que mais impressiona é a oportunidade que deu às espécies de se reproduzirem e crescerem dentro de um local protegido da ação do homem. Os corais da reserva servem como berçário. Espécies que estavam com os dias contados pela pesca predatória, a poluição e a degradação dos recifes de corais voltaram a ser encontradas com facilidade dentro da área fechada.

O peixe fluorescente (Microspathodon chrysurus), por exemplo, foi vítima dos colecionadores de animais marinhos em aquários e virou um bicho raro de se ver em mergulhos recreativos na Região Nordeste. Antes de chegar à fase adulta, quando atingem cerca de 15cm, eles eram capturados por mergulhadores. Hoje, a chance de encontrar um fluorescente na área fechada é pelo menos cinco vezes maior do que fora da reserva de Tamandaré.

O mesmo ocorre com espécies consideradas nobres na culinária nordestina, como é o caso dos peixes vermelhos, a cioba, o dentão e a baúna. Todos eles, de uma forma geral, chegaram a aumentar a população em até 13 vezes, se comparados às mesmas espécies encontradas fora da área fechada. ¿Não é uma questão de ufanismo conservacionista, mas uma questão social¿, diz o oceanógrafo Mauro Maida, um dos idealizadores da área fechada de Tamandaré. Para ele, a solução para a degradação marinha está nas reservas. ¿O mar é um bem público, se você não criar regras de proteção, acabou. O que se protege na reserva é uma fase da vida de várias espécies de animais marinhos.¿ Daí a importância, inclusive para o pescador.

No Parque Municipal do Recife de Fora, em Arraial d¿Ajuda (BA), a 730km de Salvador, pesquisadores do Projeto Coral Vivo trabalham para mostrar a população a importância do ambiente marinho. Fundado pelos especialistas Clóvis Castro e Débora Pires, a entidade realiza pesquisas e apresenta os corais aos turistas. No centro de visitantes onde funciona o projeto, há uma sala para exibição de vídeos sobre corais. Nos tanques, os turistas visualizam as colônias de corais com a ajuda de canos com lentes transparentes na ponta.

Proteção No Brasil, menos de 0,1% da área do mar territorial é protegida. Um percentual bem diferente das áreas de proteção terrestres, onde cerca de 25% têm amparo de algum tipo de legislação. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc (leia entrevista exclusiva na edição de amanhã), chegou a prometer a criação de novas áreas de proteção marinha para que o percentual de reservas chegue a 10% em oito anos.

Hoje, existem 13 áreas de proteção na região predominante dos recifes de corais, todas mapeadas no Atlas das Unidades de Conservação Brasileiras, editado pelo governo federal. Mas o desrespeito, mesmo nessas áreas, é frequente, inclusive no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, como mostrou a reportagem especial do Correio ao longo da semana. ¿O mar tem suportado as barbaridades feitas pelo homem, mas uma hora ele vai cansar¿, diz Zelinda Leão, professora da Universidade Federal da Bahia e uma das pioneiras nos estudos sobre a biodiversidade marinha.

¿O projeto que deu origem a este trabalho foi ganhador das Bolsas AVINA de Investigação Jornalística. A Fundação AVINA não é responsável pelos conceitos, opiniões e outros aspectos de seu conteúdo¿.

-------------------------------------------------------------------------------- Decreto em análise

A Casa Civil deve reanalisar um decreto sugerido pelo Ministério do Meio Ambiente cirando a Iniciativa Brasileira para a Conservação dos Recife de Coral. É uma tentativa de ampliar, integrar ações sobre biodiversidade dos ecossistemas recifais e entrar na prioridade de projetos do Plano Plurianual (PPA). O texto foi devolvido pela Casa Civil e deverá ser reapresentado pelo ministério nos próximos dias.