Título: O dia de Dilma
Autor: Leitão, Miriam
Fonte: O Globo, 08/05/2008, Economia, p. 34

A ministra Dilma Rousseff teve uma vitória política ontem, que nada indica sobre sua capacidade eleitoral, mas a fortalece dentro de seu próprio partido. Até o PT a subestimou ao protegê-la excessivamente. Não precisava. Ela foi ao Senado e ganhou a batalha em oito horas de depoimento. A oposição entregou o jogo no primeiro minuto; teve raros bons momentos nos minutos finais da partida.

A oposição queria crivá-la de perguntas sobre o dossiê dos gastos do presidente Fernando Henrique; os governistas queriam que ela falasse sobre o PAC. No final da história, a oposição mais perguntou de PAC que de dossiê. Não houve uma pergunta cortante, que a tenha desmontado. Ela ficou no ataque o tempo todo.

A vitória da ministra se divide em dois momentos decisivos. O primeiro foi o erro do senador José Agripino Maia, do DEM. Tentando ser esperto, ele disse que, como Dilma, também tinha lutado contra a ditadura e sacou do baú uma entrevista que ela havia dado sobre o período na prisão, na qual admitia ter mentido. Queria deixar a palavra "mentira" colada na ministra.

Agripino levou uma histórica saraivada e permitiu que viesse à tona a melhor Dilma: a menina de 19 anos que, torturada, mentiu para não entregar companheiros. Quando falou, ela exibiu o coração e a bravura. Recusou o neocompanheirismo de Agripino Maia, resgatando a História: ela enfrentou o regime quando a ditadura torturava e matava, e ele saiu do partido do governo nos momentos finais do regime. Dois períodos distintos. Atitudes opostas.

O segundo momento decisivo foi seu próprio depoimento. Teve uma hora para falar do PAC. Aí passou a imagem de uma gerente com o controle de toda a situação, de todo o país. Exibiu mapas do Brasil, cheios de linhas, cruzando de norte a sul, leste a oeste, com obras de rodovias, ferrovias, hidrelétricas, portos. Havia imprecisões nos números, nos traçados e nas afirmações da ministra, mas a oposição só encontrou a linha de apontar os erros dos mapas no fim do dia. O objetivo dela para atrair a discussão para o PAC foi atingido: até senadores da oposição usavam todo seu tempo para pedir detalhes dos projetos em seus estados.

Daí em diante, foi só disso que se falou. O dossiê entrou aqui e ali, em algumas perguntas e afirmações, como a do senador Arthur Virgílio, de que sua "intuição feminina" dizia que havia, sim, um dossiê.

O que Dilma defendeu foi que a Casa Civil vem, desde 2004, sistematizando as informações de gastos dos ministros e da Presidência, com critérios e organização por tipo de despesas. Agora, o banco de dados tem 20 mil informações e pode ajudar o trabalho do TCU, que é um órgão do Legislativo. Ele foi posto à disposição da CPI, que pode, inclusive, cruzar os dados para fiscalizar melhor. A ministra defendeu que as informações secretas sejam divulgadas depois de cumprido o prazo necessário. Disse que todas as informações divulgadas sobre Ruth Cardoso são gastos auditáveis, nos quais não há qualquer irregularidade. Sobre quem pinçou aquelas informações específicas, ela afirmou que está investigando. Esvaziou-se, assim, a grande contenda política armada em torno do assunto e tudo o que a oposição pôde foi fazer afirmações, como a do senador Alvaro Dias:

- O dossiê é filho do banco de dados.

A ministra salpicou notícias nos entremeios: que o Brasil vai fazer não só Angra III, mas outra usina nuclear. Vai também investir em toda a cadeia, do enriquecimento do urânio à produção dos equipamentos. Que vai mudar a gestão das Docas. Reconheceu que as PPPs não estão andando. Disse que a Amazônia "é a fronteira hidrelétrica do país". Informou que a implantação de banda larga nas escolas públicas levará o Brasil para o nível da Coréia em termos de inclusão digital.

O que ela não disse, nem a oposição, é que esse projeto de internet nas escolas foi definido pelo governo Fernando Henrique na esteira da privatização da telefonia e seria financiado pelo Fust. O governo Lula herdou o projeto e o Fundo, mas só agora, seis anos depois, é que está virando realidade, num acordo com as empresas de telefonia. Mudou um pouco a forma de fazer, mas as escolas públicas brasileiras perderam seis anos.

Dilma exibiu números de investimento inflados. A senadora Kátia Abreu tentou contestá-la, com boas estatísticas, mas uma tese de sofrível psicanálise: o governo Lula teria "compulsão oral".

Tasso Jereissati, após oito horas de depoimento, argumentou que não existiam as obras listadas no mapa do Ceará, e apelou para que o governo Lula pare com o "nunca antes".

- Não é verdade, é arrogante, não é sincero, dá a impressão de que o governo quer se perpetuar. Não reconhece os programas que começaram no governo Fernando Henrique, um companheiro de luta contra a ditadura, e ressalta e elogia o governo Médici e o governo Geisel. Apelamos por um pouco mais de humildade - disse Jereissati, num dos raros bons momentos da oposição.

Dilma Rousseff mostrou malícia política em alguns momentos, reforçou a imagem de gerente e garantiu que não fez o dossiê. Ao sair do Senado, ela tinha dado mais um passo para ser candidata. Mas esta é uma longa caminhada, e há muitos competidores nas esquinas.