Título: Governos esqueceram que as pessoas precisam comer
Autor: Valle, Sabrina
Fonte: O Globo, 11/05/2008, O Mundo, p. 44

PEQUIM. William E. James, economista sênior do Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA), não esconde a preocupação quando lhe perguntam sobre o quanto a crise dos alimentos é encarada com seriedade pelos países asiáticos, onde se concentra hoje a maioria da população do planeta. ¿Os governos negligenciaram a agricultura, esquecendo que as pessoas precisam comer¿, disse em Manila, Filipinas.

Quão grande é o risco de desestabilização?

WILLIAM E. JAMES: Grave. Depois de duas décadas tirando miseráveis da pobreza, a Ásia pode retornar ao empobrecimento caso os preços dos alimentos não voltem ao normal. Isso já está acontecendo. Os mais pobres podem deixar de comprar roupa ou de estudar, mas não podem deixar de comer.

Estamos falando de quantas pessoas vulneráveis?

JAMES: Um bilhão é uma estimativa sem base científica, mas o número é muito grande. Nas Filipinas, dois milhões passaram a engrossar a linha da pobreza. No Paquistão, seis milhões ficaram mais pobres. Note que o Índice de Preço dos Alimentos do Banco Mundial subiu 57,5% no primeiro trimestre de 2008.

E quais os países em situação mais delicada?

JAMES: As maiores altas estão registradas no Sri Lanka e no Vietnã.

E quais são as expectativas?

JAMES: Não muito boas. Nós traçamos dois cenários para a região. Um mantendo a alta de 57,5% nos preços dos alimentos em 2008. No outro, adicionamos a este cenário uma alta de 66,5% nos preços médios do petróleo. Como o peso dos alimentos na inflação asiática é grande, a região sofrerá este ano com uma combinação de crescimento menor e custo de vida maior, com maior impacto sobre as camadas mais pobres da população.

O senhor disse que a obsessão pelo crescimento está na raiz dos problemas que vivemos agora. Como assim?

JAMES: Depois de anos investindo maciçamente em políticas de industrialização e urbanização, os governos simplesmente negligenciaram a agricultura, esquecendo que as pessoas, afinal, precisam comer. Na Ásia, milhões de pessoas passaram a comer mais e melhor nos últimos 10 anos. Mas o crescimento na produção de grãos por hectare tem sido de pouco mais de 1% por ano. Agora, o risco para a segurança de boa parte do planeta, e não apenas a alimentar, é grande. Dos 1,7 milhão de barris de petróleo consumidos no mundo, um milhão são usados por China e Índia.

E o etanol piora a situação?

JAMES: Ao contrário do etanol de cana produzido pelo Brasil, que não tem impacto direto na oferta de grãos, o etanol americano feito de milho é certamente um complicador.