Título: Maioria da população de rua trabalha e sabe ler
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 30/04/2008, O País, p. 10

Pesquisa em 71 cidades mostra que 70,9% exercem uma atividade; 194 mendigos tinham curso superior

BRASÍLIA. A maioria dos moradores de rua nas grandes cidades brasileiras é formada por homens, exerce atividade remunerada, sabe ler e escrever e não recebe benefícios sociais do governo, nem mesmo o Bolsa Família. Pela primeira vez, uma pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome retratou essa população, que costuma ser excluída até dos censos tradicionais. Segundo o estudo, divulgado ontem, 70,9% dos entrevistados tinham atividade econômica e só 15,7% sobreviviam pedindo dinheiro.

O levantamento foi feito em 71 cidades - 23 capitais, incluindo o Rio, e outros 48 municípios com mais de 300 mil habitantes. A dimensão nacional do estudo, porém, acabou prejudicada, porque quatro capitais foram excluídas: São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre. Além disso, os pesquisadores só entrevistaram moradores de 18 anos ou mais, deixando de lado os menores.

SP ficou de fora por ter feito pesquisa semelhante em 2003

A Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua constatou que 31.922 pessoas viviam nessa situação nas 71 cidades, o equivalente a 0,061% dos habitantes desses municípios. O Rio era a cidade com maior número absoluto de moradores de rua - 4.585 (0,080%) -, seguido por Salvador, com 3.289 (0,110%), e Curitiba, com 2.776 (0,150%). O estudo foi feito de agosto de 2007 a março de 2008.

A secretária-executiva do ministério, Arlete Sampaio, disse que se surpreendeu com o fato de a maioria dos moradores exercer alguma atividade econômica. A renda média da maioria oscilava entre R$20 e R$80 semanais, ou seja, menos de um salário mínimo por mês. Segundo Arlete, São Paulo ficou de fora porque realizou pesquisa semelhante em 2003, enquanto Belo Horizonte e Recife fizeram o mesmo em 2005, e Porto Alegre faria o mesmo no ano passado.

Arlete disse que um grupo de trabalho interministerial vai analisar os dados. Segundo a secretária, o governo já tem programas contra o trabalho infantil e a exploração sexual de adolescentes. Por isso, o foco da pesquisa foi a população de rua adulta:

- Obviamente que um dos objetivos do nosso ministério hoje, inclusive com a constituição da Secretaria de Geração de Oportunidades para a Inclusão, é preferencialmente retirá-los da rua, e criar mecanismos de assistência para aqueles que não têm condições de sair das ruas - disse Arlete.

Entre os pesquisados, 1,4% chegou à faculdade

Dos 31.922 moradores de rua, 27.647 responderam às questões, indicando que 82% eram homens e 70,9% exerciam alguma atividade remunerada - 27,5% como catadores de material reciclável; 14,1% como flanelinhas; 6,3% na construção civil; 4,2% na área de limpeza. A maioria (58,6%) disse ter alguma profissão, mas só 1,9% disse que trabalhava com carteira assinada.

Embora 74% saibam ler e escrever, pelo menos 63,5% dos moradores de rua não concluíram o ensino fundamental. Outros 17% não prestaram a informação. A pesquisa mostrou que 1,4% chegou à faculdade, sendo que metade (194 pessoas) obteve o diploma universitário.

O estudo mostrou que 51,9% dos entrevistados tinham parentes na cidade e 45,8% sempre viveram no mesmo município. Do restante, mais da metade (56%) nasceu no respectivo estado. A maioria (69,6%) costuma dormir na rua, enquanto 22,1% preferem albergues e 8,3% oscilam entre um e outro. Segundo a pesquisa, 88,5% dos moradores não recebem aposentadoria nem outros benefícios sociais. Somente 2,3% estão cadastrados no Bolsa Família.