Título: Ameaça regional
Autor: Brigagão, Clóvis
Fonte: O Globo, 07/03/2008, Opinião, p. 7

A Paz está sendo ameaçada na América do Sul. Crescem os perigos da guerra e da corrida armamentista com a instabilidade democrática, fruto do esforço coletivo nas últimas décadas. O ataque aéreo colombiano, com sofisticado aparato bélico (via satélite) ao acampamento das Farc, com a morte de Raúl Reyes, o número 2 do grupo, dentro do território do Equador, ganhou as manchetes e entrou na agenda da diplomacia regional.

Uma série de fatores, nem todos convergentes, amplia os efeitos da ação militar. Rompem-se as relações diplomáticas entre os dois países, e Chávez - na busca de cenários propícios à sua doutrinação - põe mais lenha na fogueira (e que fogueira!).

Primeiro, a desculpa formal do presidente Alvaro Uribe ao Equador e ao presidente Rafael Correa é regra básica a fim de baixar a temperatura.

Segundo, a existência de acampamento das Farc na selva equatoriana e, se verdadeiras, as acusações de que existem ligações com o governo de Correa é ponto crucial a ser esclarecido em fóruns como a OEA e a ONU.

Terceiro, é necessário isolar o intempestivo Chávez, investigando, seriamente, suas relações com as Farc. Vale trazer ao debate o exemplo que pacificou a região centro-americana, na década de 80 do século passado.

Durante a crise que se espalhava pela América Central, entre forças guerrilheiras e governos autoritários, alguns países latino-americanos (México, Panamá, Venezuela e Colômbia) - escapando à tradicional fórmula da intervenção norte-americana no continente - tomaram a iniciativa de criar o Grupo Contadora, ampliado mais tarde com Brasil, Argentina, Peru, Uruguai, Chile, formando o Grupo do Rio. Esse esforço regional resultou na pacificação da América Central, e o Grupo do Rio passou a ser padrão da diplomacia de prevenção e resolução de conflitos muito vigorosos.

No episódio que vivemos hoje, aos esforços que realizam a OEA e seu secretário-geral, Miguel Insulza, devem ser somados a mediação de países como Brasil, Argentina, Chile, Peru etc. O Brasil deveria tomar a dianteira - inspirado em Contadora - para que a onda bélica não avance e, principalmente, a paz seja alcançada no longo conflito colombiano que, cada vez mais, transborda de suas fronteiras.

A sociedade colombiana há pouco saiu do silêncio e levantou a voz com gigantesca manifestação contra as Farc. Agora em março, será outra contra os paramilitares. A boa vizinhança aconselha estender a mão a essa mobilização para apoiar a pacificação da Colômbia, impedir Chávez de ganhar terreno com suas retóricas guerreiras - a justificar o vazio de suas propostas - e garantir que o caminho da mediação, da pacificação e da democracia sejam os melhores e os mais legítimos sentimentos dos governos e da sociedade civil da região.

CLÓVIS BRIGAGÃO dirige o Centro de Estudos das Américas, Universidade Candido Mendes.