Título: Assassinato às vésperas de eleição
Autor:
Fonte: O Globo, 08/03/2008, O Mundo, p. 44

Morte de político atribuída ao ETA pára campanha

MADRI

Adois dias das eleições gerais espanholas, um pistoleiro assassinou a tiros um ex-vereador do Partido Socialista (PSOE) na cidade basca de Mondragón, provocando comoção no país e o cancelamento de todos os comícios de encerramento de campanha dos partidos, que seriam realizados ontem à noite. O ataque foi creditado à organização terrorista ETA (Pátria Basca e Liberdade), e seus efeitos sobre o eleitorado são considerados imprevisíveis. O ato lembrou os ataques de terroristas islâmicos em 11 de março de 2004, três dias antes das eleições gerais daquele ano.

A forma como ocorreu o assassinato de Isaías Carrasco, 42 anos, revoltou a Espanha. Ele saía de casa para o trabalho ¿ o político era cobrador num posto de pedágio ¿ pela manhã, e foi acompanhado por uma de suas três filhas até o carro. Após entrar no veículo, um homem usando uma barba postiça se aproximou e deu cinco tiros. Um acertou a cabeça de Carrasco, outro o pescoço, dois a barriga e um o braço. A mulher dele ouviu os disparos e correu para abraçar o marido junto com a filha. Ele ainda conseguiu sair do carro, e foi levado com vida para um hospital, onde morreu. O criminoso fugiu.

¿ Ouvi os disparos e corri para a janela. Pude vê-lo deitado no chão e sua mulher e sua filha gritando: ¿O que houve?¿ ¿Deram três tiros no meu pai¿ ¿ disse Enrique Balmedo, de 26 anos, vizinho da família.

Carrasco, que não se reelegeu ano passado, decidiu voltar a seu emprego anterior, no pedágio. Apesar de todos os políticos bascos terem o direito a proteção 24 horas devido à ameaça do ETA, ele decidiu dispensar os seguranças. Segundo especialistas, isso o tornou um alvo fácil.

Em 2004, um atentado matou 191 pessoas em trens de Madri, três dias antes das eleições. O governo de José María Aznar, do PP, insistiu que o ataque fora realizado pelo ETA, mas logo ficou claro que era um ataque de radicais islâmicos. O atentado provocou uma reviravolta e o PP, que liderava as pesquisas, acabou perdendo a eleição, que elegeu o atual presidente do governo espanhol, José Luis Zapatero.

Zapatero recebeu a notícia quando participava de um comício em Málaga. As TVs pegaram o momento em que ele recebeu a notícia de uma assessora. Ele ficou subitamente sério, deu por encerrado o ato e voltou para Madri. Depois, foi para Mondragón, conversou com a família de Carrasco por uma hora, antes de se dirigir aos repórteres. Ele exortou a que os espanhóis respondam ao ETA através da participação democrática.

¿ A convicção dos democratas é muito mais forte do que nossa dor, e todos os democratas juntos vão conseguir o fim da violência ¿ disse ele. ¿ Haverá justiça, eles serão presos, vão pagar por isso e irão para a cadeia. Este é o único destino deles.

O principal candidato de oposição, o presidente do PP, Mariano Rajoy, também foi a Mondragón:

¿ O ETA pode abandonar toda a esperança de que vai atingir seus objetivos políticos porque ninguém vai negociar com eles. Não tem chance de ganhar sua batalha contra 45 milhões de pessoas decentes e honradas.

A rara concordância demonstrada pela decisão conjunta de PSOE e PP de encerrar a campanha acabou apresentando fissuras ainda ontem. Por iniciativa dos socialistas, todos os partidos no Congresso dos Deputados assinaram uma nota conjunta de condenação. ¿Todos assumimos esta nova vítima do terrorismo como nossa. Estamos dispostos a responder a esta agressão de forma firme e unitária¿.

Apesar de ter assinado a nota, o PP veio a público dizer que ¿dois adendos¿ pretendidos pela legenda foram recusados por outros partidos. Segundo o líder do PP no Congresso, Ignacio Astarloa, o partido queria que a nota contivesse um compromisso de que nunca mais o governo negociasse com o ETA, e que fosse revogada uma resolução parlamentar de 2005 que autoriza Zapatero a tentar uma solução negociada com o grupo basco caso ele abandone as armas.

PP acusou PSOE de facilitar ação do ETA

Analistas políticos ainda não sabem qual o efeito que o ataque pode ter na eleição. O PP acusou na campanha o PSOE de ter facilitado as coisas para os terroristas ao negociar com o grupo. Mas o fato de o político morto ser socialista pode anular tal argumentação. As últimas pesquisas apontavam que Zapatero estava quatro pontos à frente de Rajoy.

A morte de Carrasco foi a primeira atribuída ao ETA em 2008. No governo Zapatero, dois equatorianos morreram num ataque no aeroporto internacional de Madri, e dois policiais espanhóis foram mortos na região basca francesa.