Título: O cérebro cada vez mais longevo
Autor: Marinho, Antônio
Fonte: O Globo, 27/01/2008, Saúde, p. 40

Cientistas testam novos tratamentos para evitar a progressão de demências.

Aos 53 anos, Zélia Peçanha começou apresentar sinais de depressão. Com o tempo, passou a ter pequenos esquecimentos. No início não deu muita importância e as falhas de memória não chamavam a atenção de sua família. Só que o problema foi evoluindo a ponto de Zélia não se lembrar de tarefas simples, errar ingredientes de receitas e esquecer até de trocar de roupa. Depois de se consultar com diferentes médicos, um deles suspeitou de mal de Alzheimer, forma mais comum de demência. Apesar de progressiva e incapacitante, especialistas afirmam que o portador pode ter uma boa qualidade de vida.

No Brasil, estima-se em 1,2 milhão o número de pessoas com Alzheimer. Com o envelhecimento da população, o número de portadores no mundo deve chegar a 34 milhões em 2025, dois terços em países em desenvolvimento. Uso de medicamentos modernos, terapia ocupacional e apoio da família são a estratégia para frear o avanço da demência.

Apesar de não haver medidas preventivas e de a cura estar longe, cientistas estão dando passos importantes na luta contra a doença. O objetivo é melhorar a qualidade de vida e preservar ao máximo a capacidade física e mental.

Já foram publicados estudos mostrando que a combinação de antibióticos pode retardar o Alzheimer e evitar o declínio mental, assim como o uso de canabinóides ( substâncias ativas da maconha), segundo estudo na ¿Journal of Neuroscience¿.

Há pesquisa na Universidade da Califórnia, publicada na revista ¿Neuron¿, com uma ¿vacina¿ que, em tese, poderia evitar a formação de emaranhados da proteína beta amilóide, que destrói os neurônios. E cientistas da mesma universidade dizem que o etanercept, receitado para dores da artrite, teria efeito no início do mal. De acordo com o estudo publicado no ¿Journal of Neuroinflammation¿, um paciente de 81 anos melhorou significativamente depois de receber a droga injetável, em caráter experimental.

E esta semana cientistas britânicos testaram um capacete que emite raios infravermelhos e que poderia, segundo artigo na revista ¿Science Direct¿, ser usado contra a doença. O médico Gordon Dougal aplicou os raios em pacientes com demência e observou alívio dos sintomas. Ele vai realizar novos estudos em camundongos.

Diagnóstico é feito por exclusão

Por enquanto, esses dados são preliminares e não dá para confiar em nenhum deles, segundo médicos. O que funciona atualmente são drogas que retardam a progressão da doença e outras que minimizam a freqüência e a gravidade das mudanças de humor e comportamento. Uma das mais indicadas é a rivastigmina, que será fabricada em forma de adesivo, o que diminui muito os fortes efeitos colaterais.

Até hoje cientistas não sabem exatamente o que provoca a doença. Eles já sabem, no entanto, que o mal de Alzheimer não ocorre por endurecimento das artérias, pouco ou muito trabalho mental, infecções, envelhecimento, exposição ao alumínio ou a outros metais.

O neurologista Sérgio Novis, da UFRJ, chefe do serviço de neurologia da Santa Casa, diz que a incidência chega a 40% acima dos 80 anos. A confirmação só possível com a necropsia e o exame de tecidos cerebrais na qual se observam placas senis (acúmulo da proteína beta amilóide) e outras alterações. Esta substância tem ação tóxica e degenerativa, que causa danos neuronais, principalmente no hipocampo, no lobo temporal, área importante para memória e aprendizado.

Portanto, o diagnóstico de Alzheimer é por exclusão.

¿ O principal fator de risco é a idade. É preciso fazer o diagnóstico diferencial com outras formas de demência, como, por exemplo, de a origem vascular, que têm outras causas e tratamento ¿ diz Novis.

Quanto mais cedo o início do tratamento maiores as chances de adiar a progressão da doença. Para tentar chegar a um diagnóstico, os médicos fazem pesquisa detalhada da história do paciente, exames físico e mentais. Métodos de análise por imagem, como ressonância, podem ajudar.

¿ Exames de imagem permitem medir o volume do hipocampo. A redução dessa estrutura pode ser sinal de comprometimento do cérebro. Outro é a espectroscopia para medir a quantidade de N-acetilaspartato, marcador neuronal. Ocorre redução desta substância em caso de demência ¿ explica Novis.

Apoio da família é fundamental

O médico Norton Sayeg, especialista em geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e editor do site www.alzheimermed.com.br, diz que falar em cura é difícil, principalmente porque a doença é progressiva e destrói o córtex cerebral.

¿ Conseguimos hoje retardar a evolução da doença, principalmente com as novas drogas. Há 15 anos isso era impossível. O paciente não morre por causa da demência, mas por falta de cuidados ¿ diz Sayeg. ¿ A maioria precisa de tratamento antidepressivo.

Para Sayeg, com os tratamentos atuais os portadores de mal de Alzheimer têm uma boa qualidade de vida.

¿ Tenho pacientes que sofrem da doença há 25 anos. Além de medicamentos, a terapia ocupacional ajuda muito. O apoio de familiares é essencial. Tentar manter o paciente pro ativo e preservar sua independência o quanto for possível são aspectos importantes ¿ diz.

Eliana da Silva Faria, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (seção Rio), e mãe de Zélia, concorda com o médico. Com a evolução da doença, o portador se torna ausente, não reconhece parentes e, às vezes, é agressivo. Muitos passam boa parte do tempo dopados. E há casos em que é necessária a interdição. O custo com tratamentos e cuidados pode chegar a mais de R$1.600 por mês.

¿ Eu sei que a minha mãe jamais será a mesma de antes e a família teve que aprender a lidar com isso. Não é fácil e o cuidador, geralmente o parente mais próximo, se sente fragilizado e sofre problemas emocionais. Daí a importância de participar de grupos de apoio aos familiares. Assim fica mais fácil enfrentar a doença e proporcionar melhor qualidade de vida ao portador de Alzheimer ¿ diz Eliana.