Título: O 1º caso de contágio no Brasil
Autor: Alves, Maria Elisa; Damasceno, Natanael
Fonte: O Globo, 09/05/2009, Rio, p. 12

Carioca contraiu vírus da gripe suína durante festa com amigo que chegou do México.

Um universitário de 29 anos, morador do Rio, é o primeiro caso de contaminação por gripe suína dentro do país. A vítima, internada no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, no Fundão, é amiga do jovem de 21 anos que contraiu a doença no México e foi o primeiro caso da gripe por Influenza A confirmado no Rio. Os dois passaram o último domingo juntos, primeiro num churrasco na Ilha do Governador, onde ambos moram, e em seguida numa boate do bairro, onde havia cerca de 200 pessoas. À noite, os dois dividiram várias garrafas de cerveja.

- Bebemos juntos as mesmas cervejas. Agora descobri que não se pode mais fazer isso - disse o homem de 29 anos ao GLOBO, por telefone, antes de saber que estava contaminado.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, confirmou que o caso dos amigos da Ilha é o primeiro de gripe contraída no país. Com isso, o Brasil passa a ser o sétimo país do mundo em que a transmissão do vírus ocorreu em seu território.

- Fica caracterizado que houve uma transmissão do vírus aqui no país. Mas é uma transmissão limitada. Ou seja, até o momento, este é o único caso de transmissão pessoa a pessoa no Brasil, sem ter havido transmissão para terceiros - afirmou o ministro.

Ele garantiu que não haverá mudanças na estratégia para evitar a propagação da doença. De acordo com o ministro, o novo caso não indica que o vírus está circulando livremente no país. Para Temporão, a detecção do caso mostra que o esquema de vigilância está funcionando:

- Seguimos todas as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e temos um protocolo de procedimentos que deve ser seguido por todos os estados.

O universitário começou a se sentir mal segunda-feira à noite. Segundo sua mãe, ele tossiu muito. Na terça-feira, apresentou febre, dores na cabeça e no corpo. Na quarta-feira, foi levado para o Hospital do Fundão, onde foi internado numa área isolada, próxima à do amigo.

- Estive no hospital hoje (ontem). Os médicos explicaram que a febre estava abaixando e que o quadro dele estava melhor do que na véspera - disse a mãe do paciente.

O paciente está no último período do curso de petróleo e gás de uma universidade da Zona Norte do Rio. Depois que apresentou os primeiros sintomas, ele não foi às aulas. O irmão caçula, de 22 anos, que estuda no mesmo local, a mãe, o pai e a empregada da casa estão sendo monitorados pela Vigilância Sanitária e por técnicos do Ministério da Saúde.

- Eles ligam todos os dias para a gente perguntando se estamos bem. Mas nós não estamos sendo impedidos de ter uma vida normal - disse a mãe do paciente, acrescentando que ninguém da família tem sintomas.

Amigos foram a pagode em boate na Ilha

Os dois amigos com a gripe suína no Rio estiveram na noite de domingo, com um grupo de mais 15 conhecidos, num pagode na boate e restaurante La Playa, na Praia da Bica. O ambiente tem seis janelas, que ficam fechadas, e o sistema de ventilação é feito por ar-condicionado central. O dono do estabelecimento, Antônio Cerqueira, disse que vai orientar possíveis funcionários que apresentarem sintomas da gripe a procurarem o Hospital do Fundão:

- Não há como saber se quem frequenta a casa tem alguma doença. No domingo, cerca de 200 pessoas passaram por aqui entre 20h e 2h.

Em entrevista ontem, Temporão afirmou que a vigilância epidemiológica identificou e está monitorando 108 pessoas que tiveram contato com os dois pacientes do Rio. Nenhuma delas teria apresentado sintomas da doença.

Mesmo com a confirmação do primeiro caso de contaminação no país, o quadro da doença ainda não muda, segundo a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabela Ballalai. Ela diz que somente se houver um surto da gripe, com uma explosão de casos, é que o quadro epidemiológico mudará, elevando o nível de alerta.

Isabela explicou que, nesta época do ano, é comum ocorrerem casos de gripe e que quase todos devem ser tratados como uma doença comum. Por enquanto, já que não há uma disseminação da enfermidade, apenas as pessoas que vieram de países com registro de gripe suína precisam de monitoramento. Isabela alerta que é obrigação do médico ficar atento não somente ao quadro clínico do paciente, mas também ao seu histórico.

- Os casos, para serem considerados suspeitos, precisam ter alguns parâmetros. Se não houver histórico de viagem ou o paciente não tiver contato recente com pessoas que vieram de países onde há casos doença, é gripe comum - explicou.

Segundo Isabela, como o vírus é novo a sua letalidade ainda não conhecida. Mas, quando surgiram os primeiros casos no México, o vírus parecia ter uma letalidade muito maior. Hoje, parece menor.

O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Juvênio Furtado, também disse ontem, em São Paulo, que o fato de o Rio ter registrado o primeiro caso de gripe suína adquirido no próprio país não muda em nada a estratégia adotada pelas autoridades em saúde, pois estão mantidas as características de "importação" da doença.

- Este segundo caso ainda não é propriamente autóctone, pois o paciente contraiu a doença no Rio do amigo que pegou a gripe no exterior. Por isso, não devemos mudar em nada o que estamos fazendo. O importante é que as pessoas que cheguem aos aeroportos internacionais com sintomas da doença se submetam a exames nos próprios locais, para evitar que propaguem a doença para outras pessoas. A orientação que já está sendo dada dentro dos aviões é que a pessoa com sintomas procure um médico logo no desembarque, e não deixe o aeroporto sem atendimento médico, pois o risco será grande de propagar a doença - disse Juvênio Furtado.

Para a Sociedade Brasileira de Infectologia, esta é a segunda parte mais importante da luta contra a disseminação da gripe no Brasil: a pessoa suspeita procurar um médico aos primeiros sintomas. Segundo Juvênio Furtado, será inevitável que o vírus passe a circular em território nacional a partir dos casos importados do México e dos Estados Unidos, mas os médicos estão preparados para atender aos casos.

A OMS mantém o nível de alerta 5, de uma escala que vai até 6. Segundo Isabela Ballalai, esse número só será elevado se vários países registrarem surtos. Ela disse que esse quadro se configurou apenas no México e, mesmo que os Estados Unidos estejam registrando um número crescente de casos, o que ocorre ali ainda não pode ser considerado um surto.

Ministério admite falta de controle no início

O Ministério da Saúde admitiu pela primeira vez que os pacientes contaminados com a gripe suína no Brasil passaram um período em que expuseram outras pessoas ao contágio, antes de entrarem no sistema de isolamento. Segundo o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA, um dia antes de manifestar a doença, o paciente já pode transmiti-la. Antes de começar a tossir ou a sentir febre, a pessoa infectada não tem como saber que está doente.

O primeiro paciente que retornou do México ao Brasil com o vírus da gripe suína chegou a São Paulo em 22 de abril e começou a manifestar os sintomas dois dias depois. Mas só em 29 de abril ele foi internado e isolado. Entre os dias 24 e 29, o paciente pode ter espalhado a doença por onde andou. O mineiro que retornou do México em 27 de abril foi internado no mesmo dia e pode ter transmitido a doença entre a aterrissagem de seu voo e sua entrada no hospital. O terceiro caso, outro paciente de São Paulo, contraiu o vírus em Orlando, chegou ao Brasil em 28 de abril e começou a manifestar sintomas no dia seguinte. Ficou em monitoramento (isolado em casa) e nunca chegou a ser internado, já que, quando relatou os sintomas, Orlando não era considerado pela OMS uma das áreas afetadas.

COLABORARAM Catarina Alencastro, Célia Costa, Germano Oliveira, Leila Suwwan e Priscila Keller