Título: Acusados de crime eleitoral
Autor: Werneck, Antônio e Ramalho, Sérgio
Fonte: O Globo, 06/07/2007, Rio, p. 12

PF indicia Garotinho, Rosinha, Lins e Geraldo Pudim por beneficiar concursados em troca de votos.

Depois de uma investigação que durou um ano e cinco meses, a Polícia Federal do Rio indiciou por crime eleitoral o casal e ex-governadores Rosinha e Anthony Garotinho; o deputado federal Geraldo Roberto Siqueira, o Geraldo Pudim (PMDB-RJ); e o deputado estadual Álvaro Lins (PMDB), ex-chefe da Polícia Civil do Rio. Os quatro são acusados de beneficiar um grupo formado por excedentes de um concurso para inspetor de Polícia Civil, em troca de votos nas últimas eleições. Cada um dos aprovados teria se comprometido, segundo as investigações, a conseguir até 50 votos para os candidatos Pudim e Lins. Pelo menos 300 excedentes foram incorporados aos quadros da Polícia Civil.

O esquema montado com objetivo de captar votos dos excedentes tinha alicerce no Palácio Guanabara, segundo a PF. As ordens para o aproveitamento de parte dos candidatos aprovados no concurso de 2005, mas classificados além das 250 vagas oferecidas, eram repassadas "pessoalmente" pelo ex-governador Anthony Garotinho para Álvaro Lins, segundo inquérito iniciado a partir de provas reunidas pela PF nas operações Gladiador e Hurricane.

Ex-chefe de Polícia Civil, Lins aparece numa interceptação telefônica feita pela PF acertando, com Garotinho e Pudim, estratégias para garantir os votos dos excedentes. No diálogo, gravado em 12 de agosto passado, Lins pergunta a Garotinho sobre o "negócio dos garotos". Garotinho responde: "É, eu vou fazer. Pudim vai fazer". O trecho, segundo a PF, se refere à mudança no edital que permitiu a contratação de parte dos excedentes.

Grupo se reuniu no Palácio Guanabara

A partir das escutas, a PF conclui que, em troca da promessa de aproveitamento, os excedentes fizeram campanha para Pudim e Lins. Numa das escutas, Mário Franklin Leite Mustrange, o Marinho, ex-assessor de gabinete de Lins na Polícia Civil, orienta Kuene Robson Pereira Alves sobre a necessidade de ter maior controle sobre os excedentes: "a gente fez um compromisso com o pessoal que cada um arrumar aí 50 votos, no mínimo. E tem muitos que já ultrapassaram", diz Marinho.

Marinho -- citado como um dos "inhos" de Lins, grupo de policiais envolvidos em corrupção - também combina o pagamento de combustível para Kuene, que é representante de um grupo de excedentes. As gravações revelam que os concursados chegaram a ter um escritório no comitê eleitoral do ex-chefe de Polícia.

A ligação de Kuene com Álvaro Lins também fica evidente numa das gravações. Nela, o ex-chefe de Polícia confirma ter agendado um encontro de Kuene e outro representante dos excedentes com Garotinho, que ocupou o cargo de secretário de Governo. A reunião aconteceu no Palácio Guanabara, sede do governo.

Lins sugere que o delegado Daniel Goulart, lotado na Assistência de Normas e Legislação da Polícia Civil -- a quem, segundo a PF, caberia fazer as alterações no edital para permitir a convocação dos concursados - participe do encontro com Garotinho. Há uma ligação em que Marinho orienta Kuene a explorar o lado político do grupo com Garotinho.

O inquérito da PF cita um evento de campanha onde Lins afirma que rasgaria a carteira de policial se não conseguisse a contratação dos excedentes. No grampo, Lins pede que a fita de vídeo do encontro seja retirada de um site, para evitar problemas. Na época da denúncia de compra de votos, Lins se defendeu, afirmando que apenas apoiava a causa dos concursados e isso nada tinha a ver com compra de votos.

A investigação aponta fortes indícios de que os quatro indiciados teriam supostamente agido para prejudicar a candidatura do ex-deputado federal Josias Quintal, que ocupou o comando da Secretaria de Segurança no governo Garotinho. A PF constatou que, para evitar a eleição de Josias, vários policiais civis indicados para postos chaves pelo ex-secretário foram transferidos. A decisão "teria sido do próprio Garotinho", como afirmam policiais federais.

O inquérito, com centenas de horas gravações, fotografias, filmagens e até quebra do sigilo de e-mails, foi enviado esta semana ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, em Brasília. Para evitar vazamentos, um delegado entregou o documento em mãos. Caberá ao procurador-geral a decisão de enviar a investigação ao Supremo Tribunal Federal (STF), já que o deputado federal Geraldo Pudim tem foro especial.

Procurado pelo GLOBO, o superintendente da PF no Rio, Delci Teixeira, confirmou ontem o inquérito e o indiciamento, mas não quis comentar o caso.