Título: Está na hora
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 03/06/2007, O Globo, p. 2

Nesta semana em que a reforma política começa a ser votada pela Câmara, a discussão que mais importa é a da escolha do sistema eleitoral: manter o atual, de voto proporcional e nominal na escolha de deputados; manter o voto proporcional, mas com o eleitor votando na lista de candidatos do partido, não em nomes; ou adotar o voto distrital (misto ou puro), em que se elege o mais votado em cada distrito, hipótese bem remota. Para o bem ou para o mal, o voto em lista fechada seria a mudança mais viável e de maior impacto. Na legislatura passada, a proposta era quase consensual. Agora, enfrenta resistência crescente em quase todos os partidos.

No que pesem os escândalos em cartaz, ou por causa deles mesmo, nenhuma discussão é mais importante neste momento. A forma de escolher os deputados, o modo como eles financiam as campanhas e se relacionam com seus partidos e com os eleitores, tudo isso tem muito a ver com a corrupção, a qualidade das bancadas, a festa das emendas orçamentárias e a promiscuidade com empresários-corruptores. Sem alguma mudança na forma de votar, a reforma política não merecerá este nome.

Na Câmara, há o grupo dos apaixonados pelo voto em lista fechada, os que ameaçam pegar em armas para manter o atual sistema, também chamado de lista aberta, e, no meio, os que não ligam a argumentos, só à realidade na base. Leitores contrários à lista fechada, em e--mails, têm reclamado de "simpatia" da coluna pela lista fechada. Manda o jornalismo honesto dizer que ela existe, mas que isso é irrelevante. Importante é propiciar o livre debate, garantir a expressão de todas as opiniões, para que o embate traga a melhor solução, aquela que, mesmo não nos livrando de todo o mal, mitigue as mazelas grandes.

Voltemos ao diagnóstico da comissão especial da reforma política (2003, presidente Alexandre Cardoso, relator Ronaldo Caiado) sobre o sistema que temos: distorce a vontade do eleitor ao permitir coligações nas eleições para o Legislativo; personaliza demais o voto para deputado, debilitando os partidos; estabelecendo a disputa até dentro dos partidos, eleva o custo das campanhas, deixando o eleito refém do financiador privado; ao permitir a livre migração de um partido para outro, torna as bancadas instáveis e estimula a predação dos partidos pelos governos; e, por fim, todos esses traços estimulam o hiperpluripartidarismo, que priva qualquer governo de maioria, por mais votado que seja o presidente, sujeitando-o à busca de alianças, nem sempre coerentes. Lula que o diga.

O parecer de Caiado propôs o voto na lista fechada, que deve ir a voto, apontado virtudes várias: fortalecer os partidos, forçar maior identidade entre eles e os eleitores, baratear as campanhas e, razão maior, favorecer a adoção do financiamento público de campanhas. O partido recebe a sua verba e financia a campanha de toda a lista. Calculado o número de cadeiras obtidas por cada partido, entram os que ocupam os primeiros lugares na lista. Aqui entra a grande questão: quem fará a lista?

Os caciques, dizem os críticos. Os filiados, em convenção ou em prévias, dizem os defensores. A lista força a vida partidária.

Com a lista aberta, e o eleitor votando em nomes, cada candidato, mesmo recebendo verba pública, fará sua campanha, buscará outros recursos, e lá vem o personalismo.

As críticas dos deputados à lista fechada encontram apoio no meio acadêmico, onde hoje são mais tênues as restrições ao nosso modelo político. Cristian Klein, doutorando em ciência política no Iuperj, está concluindo uma tese comparativa entre os dois sistemas - lista fechada e lista aberta. Sustenta ele que os males atribuídos ao atual sistema representam falsos problemas ou têm outras causas. A seu ver, a adoção da lista fechada traria uma série de custos ao sistema político, tais como "a falta de prestação de contas (accountability) dos representantes aos representados, a oligarquização dos partidos e um efeito inesperado: o sentimento antipartidário". Os conservadores, em sentido estrito, opositores da mudança, apontam esses e outros inconvenientes. Na turma dos mais aguerridos, Miro Teixeira (PDT) - e grande elenco dos pequenos partidos - destaca "a privação da liberdade de escolha do eleitor". Carlos Zaratini e Vaccarezza (PT-SP) dizem ainda que, ao garantir lugar na lista (da primeira eleição sob o novo sistema, 2010) para os atuais deputados, de acordo com a votação obtida na eleição passada, o projeto impõe a prorrogação de mandatos. Para Sergio Carneiro (PT-BA), é enganoso dizer que o financiamento público de campanha só pode funcionar com lista fechada. Haveria meios e meios de adotá-lo com lista aberta. Então é preciso apresentar logo essas fórmulas. Num sinal do racha no PT, é Rubens Otoni (GO) que responde ao surrado argumento de seus companheiros do outro lado, o de que a lista fortaleceria os caciques partidários, e seria por eles elaborada. "A maioria dos partidos já padece destes males. A solução é aprovar regras democráticas para a confecção das listas".

Também há racha no PSDB, onde apenas 56,14% acompanham a posição do líder Antonio Pannunzio no apoio à lista fechada. Racha total no PMDB. Dissidentes no DEM, que apóia oficialmente a mudança. O PPS e o PV são a favor, o PDT é rachado. O conservantismo está forte, no que pese o interesse dos atuais deputados em garantir a reeleição pela lista. Mas, como diz Raul Jungmann, no ponto a que chegamos, temos pelo menos que ousar experimentar.