Título: O futuro de nossas metrópoles
Autor: Cardoso, Fernando Henrique e Urani, André
Fonte: O Globo, 04/05/2007, Opinião, p. 7

Grande parte dos países latino-americanos (e, sobretudo, o nosso) está deixando de aproveitar plenamente as oportunidades propiciadas pela extraordinária pujança da economia mundial porque não foi capaz de completar o ciclo de reformas estruturais iniciado na década passada. Continuamos com instituições forjadas em outro contexto histórico, incompatíveis com os desafios atuais de consolidarmos sociedades abertas, competitivas, democráticas e socialmente justas.

A agenda de reformas deixou de avançar, porque esbarrou nas resistências daqueles grupos que perceberam, na própria carne, que têm a perder com esta agenda - pelo menos da maneira em que ela foi proposta até aqui. São grupos que podem não ser muito significativos estatisticamente, mas são politicamente muito poderosos, pois são os mais organizados da sociedade, possuem uma grande capacidade de vocalizar as suas demandas e de se comunicar com os principais formadores de opinião e meios de comunicação de massa.

Estes grupos se concentram nas principais regiões metropolitanas do país: São Paulo e Rio de Janeiro. As duas locomotivas do nosso processo de industrialização, em meados do século passado, têm experimentado, no último quarto de século (a partir da implosão do processo de substituição de importações) e, em particular, desde a década passada (com reformas incompletas), uma profunda estagnação econômica, acompanhada de um forte aumento do desemprego e da informalidade (nas suas diferentes formas), da desigualdade e da pobreza.

Na contramão - é importante ressaltar - do que tem ocorrido no conjunto do país. O Brasil pode estar crescendo pouco, desde o início das reformas, mas tem crescido na direção correta: reduzindo a desigualdade e a pobreza, modernizando-se, democratizando o acesso a serviços e a infra-estrutura.

O nosso ponto aqui é o de que, para que a economia brasileira cresça mais rapidamente, vai ser preciso, entre outras coisas, desatar o nó metropolitano, de maneira a viabilizar o aprofundamento da agenda de reformas inconclusa.

Este foi o tema do seminário internacional que organizamos conjuntamente nos dias 12 e 13 de abril, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, como parte de um projeto mais amplo do IFHC e do Cieplan (um think tank chileno), patrocinado pelo PNUD, pelo BID e pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional, cujo objetivo é o de elaborar uma nova agenda de desenvolvimento para a América Latina.

Neste seminário, vimos, em primeiro lugar, que o mal-estar metropolitano, se não generalizado, é bastante difundido em nosso continente e tem influenciado as agendas nacionais de desenvolvimento no sentido de recuperarem velhas fórmulas, estadocêntricas e populistas, que, em última instância, estão na origem dos problemas que vivemos hoje. Entenda-se: as metrópoles floresceram e prosperaram durante o nacional desenvolvimentismo; com a sua superação, entraram em declínio, e, hoje, nostalgicamente, clamam por uma volta ao passado mais do que se organizam para inventar novo futuro.

Isto não impede que haja experiências inovadoras de superação da crise metropolitana na América Latina, seja através de bons governos locais (como foram os de Antanas Mockus, em Bogotá), seja através de parcerias público-privadas (como no aporte de infra-estrutura na periferia pobre da grande Buenos Aires), seja ainda através do estabelecimento de novas formas de governança (como no caso de Rosário ou do Grande ABC paulista) - casos estes examinados durante este seminário.

Vimos também que, no mundo como um todo, o que determina a capacidade de desenvolvimento de longo prazo das metrópoles é, justamente, a qualidade de suas instituições. Não se trata, apenas, de bons ou maus governos e das instituições formais, mas, sobretudo, da capacidade que diferentes instâncias de governo, sociedade civil e setor privado demonstraram, na prática, de dialogar e de se aliar em torno de estratégias comuns para o enfrentamento dos problemas que foram aparecendo, ao longo do tempo, nestas cidades, bem como de projetos de futuro bem definidos. Em outras palavras, o que determina o desenvolvimento de uma metrópole é, em última instância, justamente a qualidade de sua governança.

A experiência internacional mostra que problemas de novo tipo (como a transformação de nossos subúrbios em cemitérios industriais, o déficit generalizado de formalidade, a inadimplência crônica de certos ofertantes de serviços públicos, o desafio da criação de um ambiente propício para as redes de micro e pequenas empresas na área de serviços, a criação de novas vantagens competitivas etc.) exigem soluções de novo tipo. Para as quais nossos governos não estão preparados. Porque estamos falando de problemas e desafios cujas escalas perpassam as fronteiras burocráticas -- e só são enfrentáveis com alguma chance de êxito na medida em que se for capaz de aglutinar os vencedores, públicos ou privados (com ou sem fins lucrativos) em torno de estratégias cujo prazo fatalmente supera o dos mandatos dos governantes.

Um bom exemplo, que também vimos em nosso seminário, é o do Downtown Brooklyn Partnerships for Development. Uma agência de desenvolvimento privada, de interesse público, da qual os governos locais participam minoritariamente, que tem por objetivo o de promover a valorização dos imóveis do centro do bairro de Brooklyn - o mais dinâmico de Nova York, hoje em dia. Esta agência, cujo desenho inspirará as iniciativas da ACRJ de promoção de desenvolvimento local na região metropolitana do Rio de Janeiro, tem canalizado investimentos de bilhões e bilhões de dólares graças à sua capacidade de orquestração dos interesses públicos e privados presentes naquele território.

Mais importante ainda é nos convencermos de que é preciso reinventar um futuro para nossas principais metrópoles para fazer com que nosso país, e nosso continente, possam crescer mais rapidamente. Esta reinvenção do futuro não passa pela adoção de fórmulas mágicas; é, necessariamente, um exercício democrático, participativo, de baixo para cima, que pode e deve ser induzido (a exemplo do que aconteceu na União Européia) através de políticas públicas adequadas. As agências multilaterais presentes em nosso encontro explicitaram sua simpatia em relação a esta idéia; seria oportuno que isto viesse a acontecer também no âmbito nacional.

Meios não nos faltam. O que está à prova é a nossa capacidade de inovação institucional.

Não deixa de ser um belo desafio, até porque vivemos nestas metrópoles, somos apaixonados por elas, e estamos profundamente comprometidos com a sua qualidade de vida.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO foi presidente da República. OLAVO MONTEIRO DE CARVALHO é presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). ANDRÉ URANI é diretor-executivo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS).