Título: Em busca do padrão de qualidade latino
Autor: Casemiro, Luciana
Fonte: O Globo, 18/04/2007, Economia, p. 28

Governos de Brasil, Argentina, Paraguai e Peru comparam leis para aumentar proteção dos consumidores.

A América Latina se prepara para desenvolver políticas conjuntas em defesa do consumidor, entre elas a fixação de padrões mínimos de qualidade para diferentes produtos. Um passo importante nesse sentido foi a conclusão de um estudo que compara as legislações de Brasil, Argentina, Paraguai e Peru, realizado em parceria entre os governos dos quatro países. Considerado uma das mais modernas leis do setor no mundo, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) brasileiro mostrou ter mais semelhanças do que diferenças quando comparado a legislações pares em países latino-americanos.

- O estudo nos permite entender as correspondências entre as nossas legislações, possibilitando maior espaço de discussão de políticas eficazes para o continente - explica Ricardo Morishita, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), que coordenou o levantamento, acrescentando que esse relacionamento é fundamental dentro do cenário econômico mundial. - Num mundo globalizado, com empresas multinacionais, é cada vez mais importante compartilhar informações. A troca de dados entre as entidades permite, por exemplo, que se exija um padrão de qualidade mínimo, igual para diferentes países, protegendo o consumidor, e evitando que haja níveis diferentes de qualidade de acordo com a lei local. Tudo isso sem criar complicações comerciais.

Recém-concluído, o levantamento, intitulado "A defesa do consumidor na Argentina, no Brasil, no Paraguai e no Peru: uma análise comparativa", obtido com exclusividade por esta seção, tem entre os principais objetivos compartilhar informações e facilitar a comunicação entre as entidades representativas dos governos latino-americanos.

Legislação argentina protege consumidor de erros na cobrança das concessionárias

Entre as semelhanças das leis apontadas pelo estudo, destaca o diretor do DPDC, está o fato de em todos os países a defesa do consumidor ter previsão constitucional. Além disso, continua Morishita, são parecidas as definições de consumidor, produto, serviço e a importância dada ao direito à informação, assim como a proteção à saúde e à segurança. E, apesar de o Brasil ser pioneiro em legislação de defesa do consumidor - o CDC é de 1990, enquanto a lei peruana é de 1991, a argentina, de 1993 e a paraguaia, de 1998 -, há muito o que se trocar e aprender com a vizinhança.

- A lei argentina, por exemplo, tem um artigo que prevê que, caso a fatura de consumo de um serviço público, tal como telefone, luz, água, exceda 75% da média de consumo dos últimos 12 meses, há uma presunção de erro. Isso é muito interessante e poderia ser usado aqui pelas agências reguladoras - diz Morishita.

Por outro lado, o Brasil ainda é exemplo, diz:

- Entre os pontos em que estamos na dianteira, está a existência de uma legislação que protege o consumidor de publicidade abusiva e a inovação processual implementada pelo CDC, que é a previsão da inversão do ônus da prova, ou seja, que cabe à empresa provar que o consumidor não tem aquele direito. Parâmetros, aliás, estudados por outros países.

Uma preocupação comum são os contratos de concessão de crédito.

- Numa sociedade de consumo há três pontas básicas: uma é a fabricação em massa; a outra é a comunicação, através da publicidade; e, do outro lado, a garantia do acesso ao bem, através do crédito. E a forma como esse crédito é oferecido é uma preocupação, principalmente com a possibilidade de contratação eletrônica de financiamento.

O diretor do DPDC informa que, desde 2003, está sendo desenvolvido um processo de fortalecimento regional da defesa do consumidor. E que nesse momento, além dos países do Mercosul - os dados do Uruguai serão incorporados ainda este ano ao estudo -, estão se estreitando os laços com a América Andina e a Central. Dentro desse processo, será realizada, em maio, na Argentina, uma oficina para entidades representativas de consumidores de diferentes países. Da mesma forma, está previsto ainda para este ano, no Paraguai, um encontro com empresários, que contará com a participação de representantes brasileiros.

- Os empresários brasileiros vão mostrar como o CDC alterou as relações no país e não foi o fim do mundo para os fornecedores, muito pelo contrário - antecipa Morishita.

E se o Sistema Latino-Americano de Defesa do Consumidor ainda não é uma realidade, é fato que já há diversos dados circulando entre os países. No caso de recalls, por exemplo, as informações do banco de dados brasileiro já estão acessíveis ao Mercosul:

- Afinal, muitas vezes o produto é fabricado aqui e vendido nos países vizinhos. Quanto mais informação, quanto mais a gente se fala, melhor para o consumidor, pois compartilhamos informações de sucesso e estabelecemos uma garantia matricial de qualidade continente afora - conclui Morishita.