Título: De volta ao núcleo dos átomos
Autor: Sampaio, Paulo Augusto Berquó de
Fonte: O Globo, 26/03/2007, Opinião, p. 7

A humanidade tem se desenvolvido utilizando a energia que vem do sol. É a energia que sustenta a agricultura. É ela a responsável pelas nuvens e pela chuva que abastece rios e reservatórios das usinas hidrelétricas. Também os ventos se alimentam da energia do sol. E os combustíveis fósseis, base da civilização industrial, são de fato fósseis da energia solar enviada à Terra há milhões de anos.

Foi exatamente a liberação para o ambiente do carbono armazenado nos combustíveis fósseis que hoje traz a preocupação com o acúmulo de CO2 na atmosfera e o aquecimento global. Faz sentido substituir combustíveis fósseis por fontes renováveis, tanto pela energia solar em sentido restrito, como por outras fontes indiretas da energia renovável do sol, como a hidreletricidade, a biomassa e a energia eólica.

Mas energia não será o único recurso escasso no século XXI. Será preciso administrar também o uso da água e da terra. Planta-se para produzir alimento ou biocombustível? Seqüestra-se carbono nas plantações mas queima-se floresta para expandir a fronteira agrícola? E quanto a outros usos da água? Para cada litro produzido de álcool gera-se cerca de 10 litros de vinhoto, resíduo tóxico, que contamina os rios. Já a exploração da energia solar direta e da energia eólica requerem áreas extensas. E o que dizer das alterações no microclima em razão de drenar a força dos ventos? As fontes renováveis terão papel importante. Mas não são panacéia. Nem tampouco fonte renovável é necessariamente sinônimo de desenvolvimento sustentável.

Se a exploração das fontes renováveis requer avanços para viabilização econômica e redução de impactos ambientais, do lado da demanda também serão necessárias profundas mudanças econômicas e sociais, antes que a humanidade possa se adequar ao seu orçamento de energia renovável do sol. Será preciso conter o crescimento da população e promover uma melhor distribuição da riqueza, da tecnologia e da educação. São mudanças que precisam de um tempo que já se esgota, a considerar seriamente as conseqüências do aquecimento global: fome, sede, refugiados e guerras.

Mas há uma fonte de energia que permitirá realizar a transição até o desenvolvimento sustentável. Uma fonte que não disputa espaço por terra e que não emite CO2. Que não concorre com a produção de alimentos ou com o consumo de água, pois não faz parte do "orçamento solar". Esta energia está aprisionada no núcleo dos átomos desde o Big-Bang.

Estados Unidos, França, Japão, Coréia do Sul, Rússia, China, África do Sul e Argentina trabalham para desenvolver nova tecnologia nuclear. Merecem destaque os reatores nucleares de 4ª geração (ver http://nuclear.energy.gov/genIV/neGenIV4.html). Planejados para estarem disponíveis a partir de 2030, são concebidos para atender a exigentes requisitos econômicos, de segurança, de não-proliferação e de sustentabilidade.

Reatores regeneradores aproveitarão os rejeitos gerados por reatores convencionais, fechando o ciclo do combustível nuclear. Assim, será reduzida a quantidade, a radiotoxicidade e o tempo de armazenamento do chamado "lixo atômico". O combustível reciclado permitirá o uso da energia nuclear por séculos, ou até que outras soluções sejam viáveis.

Outro aspecto importante é a produção de hidrogênio. Este será usado em células de combustível que moverão veículos, gerando apenas água como resíduo. Os norte-americanos estudam a associação de reatores nucleares com usinas para produção de hidrogênio, visando a eliminar a emissão veicular de CO2. Tais instalações poderão substituir o papel das atuais refinarias de petróleo na produção de combustíveis para veículos. Não seria oportuno que a Petrobras, que já estuda a tecnologia do hidrogênio, investigasse também o uso da energia nuclear em sua produção?

O Brasil possui expressivas reservas de urânio e domina o processo de seu enriquecimento. É importante que a sociedade brasileira conheça também o quanto a pesquisa e desenvolvimento da nova tecnologia nuclear podem oferecer.

PAULO AUGUSTO BERQUÓ DE SAMPAIO é professor do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Engenharia Nuclear da CNEN.