Título: Banido no mundo, liberado no país
Autor: Almeida, Cássia e Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 04/03/2007, Economia, p. 31

NA CONTRAMÃO DA SAÚDE

Governo brasileiro mantém uso do amianto, fibra cancerígena proibida em 48 países

Cássia Almeida e Henrique Gomes Batista*

Ogoverno brasileiro, na contramão de 48 países e descumprindo duas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), decidiu não banir o amianto, mantendo o uso controlado regulado pela Lei 9.055, de 1995. De acordo com os números oficiais, morrem no Brasil mais de cem pessoas por ano de mesotelioma (câncer da pleura, a membrana que envolve o pulmão), provocado pela fibra de amianto. É um câncer devastador. A sobrevida é de pouco mais de um ano. Mas a falta de notificação da doença ocupacional é gritante: só há registros nos grandes centros e 78% dos casos são das regiões Sul e Sudeste, mais aparelhadas no diagnóstico da doença.

- Mesmo assim, com pouca notificação, os casos vêm aumentando. Em 1980, foram registrados 50 casos. Em 2003, 179 mortes por câncer de pleura. Isso, sem contar os que morrem de asbestose (insuficiência respiratória), também provocada pelo acúmulo da fibra nos pulmões - disse o sanitarista Hermano Castro, coordenador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalho e Ecologia Humana da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Castro acompanha cerca de cem pessoas que, nas décadas de 80 e 90, trabalharam na indústria têxtil Asberit, em Barros Filho, no Rio, produzindo roupas com isolamento térmico. De 300 examinados, metade teve problemas respiratórios.

O Brasil perdeu a oportunidade de se alinhar aos países que baniram as substâncias cancerígenas do ambiente de trabalho, na opinião do consultor para Saúde e Segurança no Trabalho da OIT no Brasil, Zuher Handar. A organização estima que morrem 634 mil trabalhadores de câncer ocupacional no mundo e 140 mil de doenças respiratórias:

- A OIT recomenda o banimento do amianto, e o Brasil ratificou duas convenções, a 162, que prevê o uso controlado até que se desenvolva um substituto (o país já desenvolveu essa tecnologia), e a 139, na qual o país se compromete a excluir do processo de trabalho qualquer substância cancerígena. A Fiocruz estima que haja 50 mil trabalhadores expostos à fibra.

Aos 49 anos, Ruth Maria Nascimento já perdeu 40% da capacidade respiratória. Há oito anos, foi diagnosticada a asbestose, depois de 12 anos de trabalho com a fibra. Quando está bem, ela consegue pelo menos varrer a casa. Ruth hoje é presidente no Rio da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea):

- Limpávamos a linha de produção. Nunca soubemos que a fibra matava. Já perdi dez colegas.

A discussão sobre o fim do uso da fibra é de 2004. Os ministérios de Trabalho, Previdência Social, Meio Ambiente e Saúde se posicionaram a favor do banimento gradual. Os ministérios de Minas e Energia e Desenvolvimento, pela política atual de uso controlado. Na época, a ministra de Minas e Energia era Dilma Rousseff, que assumiu a Casa Civil, e a ela coube decidir sobre o tema. Prevaleceu a posição de Minas e Energia. Segundo o Planalto, verificou-se que a legislação é adequada e está sendo cumprida.

- Não se pode criminalizar a matéria-prima. É uma questão de disputa de mercado. É uma fibra cancerígena sim, todos sabemos. Onde não há uso controlado, tem que fechar. O Brasil tem a legislação mais avançada do mundo - diz Claudio Scliar, secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia.

Marcos Perez, coordenador da Área de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, é a favor da substituição gradual da fibra.

- Usar a fibra de forma controlada não é ideal. O controle não é eficaz. Só de 1980 até agora, já listamos mais de dois mil óbitos de câncer de pleura relacionado ao amianto.

Uma barreira para controlar o uso do amianto é que ele ultrapassa as fronteiras das fábricas e mina. Segundo Perez, houve casos de pessoas que morreram com mesotelioma sem nunca ter trabalhado com a fibra:

- A morte de um rapaz de 23 anos nos intrigou, já que o tempo de incubação da doença passa de 20 anos. Mas descobrimos que o pai trabalhava com isolantes de tubos de amianto. As fibras trazidas do trabalho provocaram a morte do filho.

Morador de Minaçu, em Goiás, onde funciona a única mina de amianto do Brasil, Mário Pereira, 70, é um exemplo do que o amianto causa. Vítima de asbestose, ele precisa parar a cada 40 metros para respirar quando caminha. Natural de Poções (BA), Mário faz parte do grupo de baianos que se mudou para Minaçu seguindo a Sama, a mineradora da Eternit, quando a mina da cidade da Bahia acabou.

Empresas: uso errado fez Europa proibir

Marina Aquino, presidente-executiva do Instituto Crisotila - que reúne a Mineradora Sama, 17 fábricas, sindicatos de trabalhadores, Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Indústria e Comércio de Goiás e Prefeitura de Minaçu -, diz que a legislação brasileira é a mais avançada do mundo, e que não há contradição frente à direção que o mundo está tomando:

- O uso na Europa foi indiscriminado, provocando indenizações altíssimas.

Marina afirma que no instituto há registros de 37 mortes decorrentes de doenças relacionadas ao amianto, 234 disfunções respiratórias e 400 casos de placas pleurais em 67 anos de uso do amianto no Brasil, com passagem de cerca de cem mil trabalhadores.

(*) Enviado especial