Título: Acordo com os Estados abre caminho para a aprovação do Orçamento
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: O Globo, 12/04/2006, Política, p. A10

Ao final de um dia de intensas negociações em Brasília, o governo federal e os governos estaduais chegaram ontem a um entendimento sobre o valor das compensações da Lei Kandir no projeto de orçamento da União para 2006. Anunciado à noite pelo líder do governo no Congresso, senador Fernando Bezerra (PTB-RN), às portas do Ministério da Fazenda, o acordo abriu caminho para aprovação do projeto.

Ficou acertado que, em vez de R$ 3,4 bilhões, como previa o substitutivo da Comissão Mista de Orçamento (CMO), os Estados terão garantidos R$ 3,9 bilhões a título de ressarcimento de perdas provocadas pela desoneração tributária das exportações de produtos primários e semi-elaborados. O acordo prevê ainda que, dependendo do comportamento da arrecadação, o valor poderá chegar a R$ 5,2 bilhões. A parcela condicionada a excesso de arrecadação - R$ 1,3 bilhão - será liberada a partir de reestimativas bimestrais de receita. Os governadores pediam um total de R$ 5,2 bilhões, mas queriam que, no máximo, R$ 900 milhões ficassem condicionados a aumento de receita. Em relação ao valor reivindicado concordaram em abrir mão de R$ 400 milhões.

"É um acordo razoável", disse o governador Lucio Alcântara (PSDB), do Ceará, escolhido para representar outros oito governadores que viajaram a Brasília, ontem, para fazer pressão sobre o governo federal e o Congresso. Por causa da divergência em torno da compensação aos Estados, a votação da proposta orçamentária de 2006, que deveria ter sido aprovada em 2005, era alvo de obstruçáo pelos partidos de oposição e pela ala oposicionista do PMDB.

As negociações que culminaram no anúncio feito por Bezerra começaram pela manhã, numa reunião articulada pelo presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), entre parlamentares da comissão mista de orçamento, nove governadores e o líder do governo. Só governadores de oposição apareceram para reivindicar a elevação do montante destinado a compensar os Estados por perdas com a desoneração tributária prevista na Lei Kandir. Em vigor desde fins de 1996, esta é a lei que isentou do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, tributo estadual, as exportações de produtos primários e semi-elaborados. Desde então, todos os anos a União ressarce parte das perdas daí decorrentes, atualmente calculadas pelos Estados em mais de R$ 16 bilhões por ano.

Estavam presentes os governadores Germano Rigotto (RS), Cláudio Lembo (SP), Rosinha Matheus (RJ), Aécio Neves (MG), Alcides Rodrigues (GO), Blairo Maggi (MT),Paulo Souto (BA) , Lúcio Alcântara (CE) e Simão Jatene (PA). Representando o empresariado, também compareceram os presidentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, da Federaçáo das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, e da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouveia Vieira.

Os governadores saíram da reunião inicialmente frustrados. Durante almoço em homenagem à presidente do Chile, Michelle Bachelet, o presidente do Senado, Renan Calheiros, falou sobre o assunto com o presidente Lula. Em entrevista, Renan disse que a culpa pelo impasse era de Bernard Appy, secretário-executivo da Fazenda. Embora não tivesse fechado questão, o secretário Executivo havia dito que seria difícil para o governo federal atender ao pleito dos Estados. Pressionado pela possibilidade de ficar sem orçamento por muito mais tempo, o governo reuniu sua equipe econômica para debater o assunto no Palácio do Planalto. Daí, se seguiu uma reunião no Ministério da Fazenda, com o governador do Ceará, Bezerra e o relator do orçamento, deputado Carlito Merss (PT-SC).

Durante a reunião, Lúcio Alcântara falou por diversas vezes, por telefone, com o governador Aécio Neves, de Minas Gerais. Segundo Alcântara, o governador mineiro foi que fez a ponte com os demais.

O senador Fernando Bezerra disse que os recursos necessários a aumentar em R$ 500 milhões as compensações aos Estados sairão de cortes em dotações para custeio e investimentos previstas no projeto original encaminhado pelo Executivo, em agosto passado.

Os governadores de oposição vinham mobilizando as bancadas de seus Estados para obstruir a votação do orçamento, enquanto não houvesse um entendimento em torno da Lei Kandir. Argumentaram que, sem os recursos da União, não conseguiriam manter no mesmo patamar o ressarcimento aos exportadores, que só conseguem a desoneração via utilização de créditos tributários adquiridos na compra de insumos para produção de mercadorias exportadas.

A expectativa, ao final da reunião na Fazenda, era de que, com o acordo, o Orçamento da União fosse votado na noite de ontem, mas às 21 horas a Comissão de Orçamento anunciou que o projeto iria à votação somente hoje.

O senador Bezerra informou que ficará por conta dos Estados a definição do critério de rateio da parcela de R$ 500 milhões acrescentada ao que já estava no projeto da comissão de orçamento. Do valor original, metade seria distribuída pelo critério de rateio da Lei Complementar 115, última a modificar a Kandir, e outra metade pelos critérios alternativos acertados entre os governos estaduais e acatados pelo governo federal.

Esses critérios beneficiam mais Estados com saldo na balança comercial. Já os da Lei Kandir beneficiam os mais exportadores, como São Paulo, indepen dente da diferença em relação às importações.