Título: Uma grande aposta na conciliação
Autor: Northfleet, Ellen Gracie
Fonte: O Globo, 08/12/2006, Opinião, p. 7

OPoder Judiciário está propondo hoje, em todos os rincões do país, uma experiência inédita, tanto por sua amplitude quanto por seus objetivos, aos cidadãos brasileiros que buscaram ou pensam em buscar a Justiça para solucionar algum conflito. Estamos iniciando, sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma campanha que visa resolver, por um simples e rápido acordo entre as partes, disputas judiciais que vêm sendo travadas há anos. E, em alguns casos, até conflitos que ainda nem chegaram a se transformar em ações judiciais.

É o Dia Nacional da Conciliação, um gigantesco mutirão que envolve Tribunais e Juizados Especiais de todos os 26 estados da Federação e do Distrito Federal, em todos os segmentos da Justiça (Federal, Estadual e Trabalhista), e que deve realizar mais de 60 mil audiências de conciliação em todo país. Elas começaram desde a última segunda-feira e terão seu ápice hoje ¿ não por acaso, a data em que comemoramos o Dia da Justiça.

O mutirão foi viabilizado com a parceria de associações de magistrados, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Federal de Psicologia e Associação Brasileira de Agências de Propaganda, entre muitos outros que compreenderam a importância de se envolverem na causa.

Essas milhares de audiências irão abranger desde reclamações trabalhistas, causas de família e sucessões, infância e juventude, execuções fiscais e até acidentes de trânsito. Não é só. Discussões envolvendo defesa do consumidor, contribuições previdenciárias e benefícios do INSS também estão na pauta de todos esses possíveis acordos.

Além de inovadora, a experiência promete ser, desde já, extremamente enriquecedora para ambos, usuários da Justiça e juízes. Os primeiros tomarão contato com a conciliação e poderão começar a desenvolver uma cultura favorável a acordos, que no Brasil ainda são incipientes: o índice atual de acordo nos processos judiciais oscila entre 30% e 35%, enquanto que em países que já adotaram a conciliação como forma alternativa de solução de conflitos passa dos 70%. E os juízes, ao desafogar o Judiciário daquelas causas mais simples resolvidas por consenso, terão uma rara e concreta oportunidade de dedicar mais tempo aos questionamentos complexos e de interesse nacional ou regional, por exemplo.

Mas, para muito além do descongestionamento do Judiciário ¿ viabilizado pela diminuição radical do tempo de tramitação e julgamento desses processos e, ainda, do próprio volume de processos, ao se evitar que eles sejam ajuizados ¿, o grande fruto da conciliação são os efeitos construtivos e transformadores que ela passa a gerar nas partes. A conciliação gera mudanças de atitude que habilitam os cidadãos a solucionar suas diferenças pela via amigável, deixando para o Judiciário apenas aqueles casos em que não possam fazê-lo, após qualificadas tentativas.

Não queremos com isso apenas diminuir a quantidade do nosso trabalho, mas ajudar a construir uma sociedade melhor, que enfrente as controvérsias de uma maneira menos litigiosa, e que, para isso, possa contar com pessoas qualificadas para exercer a conciliação. Daí, também, a necessidade de investir no aprimoramento desse instituto, com o treinamento de pessoas aptas a desempenhar o papel de conciliadores.

Acreditamos que o entendimento entre as partes é sempre o melhor caminho para que a Justiça prevaleça. Nós, magistrados, recebemos de segunda e terceira mãos a realidade dos fatos; quem conhece as motivações explícitas e ocultas que estão por trás de cada processo judicial são as partes envolvidas. O que fazemos, com grande esforço, dedicação e seriedade, é uma tentativa de enxergar através desse nevoeiro e buscar a solução mais próxima da Justiça.

Agora, entretanto, com essa aposta na conciliação, o Judiciário assume sua feição educativa, ajudando os indivíduos a se tornarem cada vez mais capazes e hábeis, a começar pelo que concerne ao equacionamento de seus próprios conflitos.

A conciliação, assim, somada aos dois novos instrumentos jurídicos que o Congresso Nacional acaba de aprovar ¿ a Súmula Vinculante, que evitará a chegada de milhares de processos repetitivos ao Supremo Tribunal Federal, e a Repercussão Geral, que permitirá aos ministros desta Corte selecionar as causas que ela deve julgar, sob o critério da relevância dos temas tratados ¿ delimita um novo tempo para o Judiciário brasileiro. Um tempo de maior agilidade e efetividade, de diálogo e contato com o cidadão comum, de conscientização mútua do papel das partes na busca de uma cultura da paz.

ELLEN GRACIE NORTHFLEET é ministra e atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).