Título: Ameaça e recuo
Autor: Monica Tavares, Eliane Oliveira, Cristiane Jungblu
Fonte: O Globo, 15/09/2006, Economia, p. 27

Bolívia assume refinarias da Petrobras mas congela decisão após reação do governo Lula

Pego de surpresa, mais uma vez, com a decisão da Bolívia de assumir o controle das duas refinarias da Petrobras no país, sem indenização, o governo brasileiro conseguiu ontem no início da noite o congelamento da medida. O recuo dos bolivianos ocorreu depois de um dia inteiro de negociações com autoridades do país vizinho e respostas duras dos ministros de Minas e Energia, Silas Rondeau, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, além do presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.

A Bolívia suspendeu a vigência da resolução e comprometeu-se a enviar uma carta ao Brasil assumindo, por escrito e oficialmente, o compromisso de tratar a expropriação das refinarias como uma proposta na mesa de negociações, que serão retomadas pelos governos e as estatais YPFB e Petrobras no dia 9 de outubro.

¿ A medida já foi congelada. Pedi ao Marco Aurélio (Garcia, assessor para assuntos internacionais da Presidência da República) ligar para o vice-presidente da Bolívia (García Linera) e ele informou que iria congelar. Tudo será negociado. Se a Bolívia teimar em tomar atitudes unilaterais, o Brasil terá de pensar em como fazer uma coisa mais dura ¿ informou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista à TV Bandeirantes.

Linera confirmou o congelamento da medida e disse que a Bolívia adotou essa decisão para ¿ajudar a criar um clima favorável nas negociações para o cumprimento do decreto de nacionalização¿.

¿ Esperamos que seja antes, mas o dia 9 de outubro é a data limite ¿ disse o vice-presidente boliviano.

Lula autorizou respostas firmes

Lula, porém, disse compreender as dificuldades do povo boliviano e reafirmou a responsabilidade do Brasil com o país vizinho:

¿ Se não briguei com Bush, com os países ricos, por que brigaria com o Evo, a Bolívia?

Mais tarde, em jantar com empresários, Lula voltou ao tema:

¿ Não podemos aceitar uma decisão unilateral. A paciência é importante, mas tem limite. Logo agora, quando estava indo uma delegação importante para negociar, somos pegos de surpresa. Chego a me perguntar o que está acontecendo na Bolívia. Uma decisão é anunciada por um ministro e não pelo presidente ou pelo vice-presidente. Eu quero contribuir com a Bolívia. Mas, para que haja esta contribuição, é preciso também que haja contribuição da Bolívia.

Segundo Marco Aurélio, as negociações começaram às 11h de ontem, numa conversa telefônica com Linera, na qual classificou a medida de surpreendente e pediu o reconhecimento de que este não era um bom caminho a ser seguido, pois ¿medidas tomadas unilateralmente contrariavam a metodologia acordada entre os dois países¿.

Hoje embarcaria para La Paz uma missão brasileira para retomar as negociações, diante do compromisso assumido por Linera há menos de um mês de que não haveria mais surpresas e o assunto não seria tratado pela imprensa. Após conversar com Morales, às 18h30, Linera ligou para Garcia e comunicou o recuo.

Enquanto Marco Aurélio negociava com Linera, Lula autorizou que seus ministros dessem respostas firmes. No Palácio do Planalto, Dilma informava que o governo considerava grave a expropriação. Imediatamente, o encontro de La Paz foi suspenso:

¿ Isso (o cancelamento) representa uma reação política. Sinto uma posição firme do presidente da República de que as coisas não podem ser desse jeito. Se as relações não melhorarem não é por culpa do Brasil ¿ afirmou Rondeau. ¿ Tínhamos combinado que não seria feita negociação pela imprensa.

OPOSIÇÃO CRITICA, na página 28