Título: AÇÃO PARA QUE GAYS POSSAM DOAR SANGUE NO PI
Autor: Efrém Ribeiro
Fonte: O Globo, 20/04/2006, O País, p. 14

Procurador entra na Justiça contra a União, o estado e Anvisa e defende que homossexuais ganhem esse direito

TERESINA (PI). O procurador da República no Piauí Tranvanvan Feitosa entrou ontem com ação civil pública na Justiça Federal contra a União, o Estado do Piauí e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que homossexuais possam doar sangue no Centro de Hematologia e Hemoterapia do Piauí (Hemopi), em Teresina. Segundo Tranvanvan Feitosa, a ação tem base em procedimento administrativo aberto na Procuradoria da República no Piauí a partir de representação formulada pelo Grupo Matizes, entidade defensora dos direitos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros no Estado.

Tranvanvan Feitosa afirma que vários homossexuais se sentem discriminados ao serem impedidos de doar sangue ao revelar, em entrevista no Hemopi, a sua orientação sexual. O Hemopi, órgão da Secretaria de Saúde responsável pelas políticas do sangue no Piauí e por todo o sangue coletado e transfundido no estado, proíbe os homossexuais masculinos e heterossexuais que mantêm relacionamentos com mulheres de gays da doação de sangue, com base na Resolução nº 153/2004, expedida pela Anvisa.

Conforme a resolução são considerados em situação de risco acrescido, inabilitados por um ano como doadores de sangue, os candidatos que nos 12 meses precedentes tenham tido relações sexuais com outros homens e ou as parceiras sexuais destes.

Para Tranvanvan Feitosa, vedar a doação de sangue por homossexuais, mais do que uma forma disfarçada de discriminação e preconceito, constitui flagrante inconstitucionalidade.

A diretora geral do Hemopi, Lúcia Brasil, afirmou que o Piauí é o primeiro estado do país a contestar a portaria da Anvisa. Ela afirmou que ação não é contra o Hemopi, mas contra a portaria da Anvisa.

Lúcia Brasil disse que não há discriminação e que todos os doadoras de sangue são entrevistados pelos médicos sobre os relacionamentos sexuais e não sobre a opção sexual:

¿ A resolução foi discutida com as minorias em todo o país antes de sua edição. Não existe discriminação. As perguntas são feitas até para o padre, que é doador.

¿O Hemopi não exclui ninguém", diz médica

A gerente médica e assistencial do Hemopi, Regina Ramos, disse que os homossexuais não são um grupo de risco. Ela falou que a preocupação é com a situação de risco e o questionário aplicado entre os doadores não questiona a opção sexual, mas o comportamento.

¿ O Hemopi não exclui ninguém. O perfil da Aids mudou muito no Brasil. Hoje o grupo com maior número de casos de sorologia positiva é o de mulheres heterossexuais de 40 a 50 anos. Os médicos estão mais preocupados em saber o comportamento sexual, se o doador usa ou não camisinhas, se tem ou não muitos parceiros ¿ declarou.

Segundo Tranvavan Feitosa, a se seguir à risca a resolução, a pessoa teria que deixar de ser homossexual para que pudesse doar sangue.

¿As últimas estatísticas mostram que não mais se pode falar em grupos de risco. Ademais, antes da utilização, o sangue é submetido a todos os testes possíveis, não se justificando a verdadeira devassa feita à vida pessoal do candidato à doação. A exclusão dos homossexuais e bissexuais atenta contra os princípios da Constituição Federal e que contribui para a redução dos estoques dos bancos de sangue no país ¿ disse Tranvanvan Feitosa, alegando que a única forma de os homossexuais continuarem a doar sangue é mentir sobre sua opção sexual.

Na ação, o procurador diz que a restrição contida na Resolução 153/2004 da Anvisa viola pelo menos três princípios: o da igualdade, fazendo preconceituosa distinção entre brasileiros heterossexuais e homossexuais; o da liberdade e o do bem-estar dos indivíduo.