Título: FANTASMA DE TCHERNÓBIL AINDA ASSUSTA 20 ANOS DEPOIS
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Fonte: O Globo, 19/04/2006, O Mundo, p. 28

KIEV. A dias de completar 20 anos, o desastre de Tchernóbil gera uma guerra de números, com o Greenpeace acusando agências da ONU de subestimarem a quantidade de mortes causadas pelo pior acidente nuclear da história. Um relatório divulgado ontem pela organização ambientalista afirma que mais de 90 mil pessoas poderão morrer de câncer em decorrência da radiação emitida com a explosão do reator em 1986 ¿ um número muito superior às quatro mil mortes previstas pela ONU.

Em 26 de abril de 1986, um reator da usina nuclear de Tchernóbil explodiu na Ucrânia, espalhando uma nuvem radioativa sobre a Europa e chegando ao leste dos Estados Unidos. A contaminação foi particularmente grave em Ucrânia, Rússia e Bielorrússia.

No ano passado, um relatório do Fórum Tchernóbil, que compreende a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e outros órgãos da ONU, concluiu que apenas 56 mortes poderiam ser confirmadas como ligadas ao desastre. Mas previu que as mortes relacionadas ao acidente poderiam chegar a quatro mil.

Mas o novo relatório, baseado em dados da Academia de Ciências da Bielorrússia, prevê que das 2 bilhões de pessoas atingidas por Tchernóbil, 270 mil vão desenvolver algum tipo de câncer. Destes casos, 93 mil serão fatais. O estudo conclui ainda que nos últimos 15 anos, 200 mil pessoas morreram em Rússia, Ucrânia e Bielorrússia devido ao acidente. A informação parece ser reforçada pelo anúncio da Federação Internacional da Cruz Vermelha, ontem, de que os casos de câncer de tiróide continuam aumentando nas regiões contaminadas.

Os problemas de saúde causados pela radiação têm ainda um impacto devastador sobre os sobreviventes, diz o relatório do Greenpeace, e inclui danos ao sistema imunológico, doenças cardiovasculares e sangüíneas, alterações cromossômicas e más-formações fetais.

¿É espantoso que a AIEA oculte os impactos do mais grave acidente nuclear da história humana¿, acusou Ivan Blokov, do escritório russo do Greenpeace. ¿Negar as implicações é não apenas insultar milhares de vítimas, mas também levará a recomendações perigosas e à relocação de pessoas em áreas contaminadas.¿

Em Viena, a AIEA rejeitou a acusação, dizendo ser responsável apenas pelo levantamento ambiental, enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) avaliava as mortes. A OMS, por sua vez, manteve seus índices, dizendo que à previsão de quatro mil mortes nas áreas mais gravemente atingidas de Ucrânia, Rússia e Bielorrússia, somam-se cinco mil em regiões menos contaminadas nesses países. O estudo não cobre toda a Europa, ressalta a organização.

Um estudo britânico que os partidos verdes apresentarão esta semana no Parlamento Europeu afirma que estão contaminados 40% do solo dos países da União Européia. Fotos de satélite dos dias seguintes à tragédia indicam que mais da metade da radiação de Chernobil extrapolou as fronteiras de Bielorrússia, Ucrânia e Rússia. A Alemanha teve 44% de suas terras contaminadas e o Reino Unido, 34%. Ovelhas em certas regiões britânicas ainda têm nível de radioatividade acima dos níveis de segurança.

O Greenpeace afirma que entre cinco milhões e oito milhões de pessoas vivem hoje, 20 anos depois, em áreas altamente contaminadas pela radiação liberada por Tchernóbil. Por outro lado, defensores dos programas nucleares se declaram satisfeitos com os sistemas de segurança usados atualmente. Não haver outro Tchernóbil não é uma questão de sorte, declarou Ken Brockman, diretor de segurança da AIEA. Já grupos ambientalistas denunciam o envelhecimento dos reatores nucleares no mundo e restrições orçamentárias como fatores de risco. Para o Greenpeace, a situação atual seria mais arriscada do que em 1986.