Título: Ameaça de separatismo paira sobre a Ucrânia
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Fonte: O Globo, 29/11/2004, O Mundo, p. 26

Depois de uma semana de impasse sobre o resultado de suas eleições presidenciais, a Ucrânia passou a viver ontem a ameaça de ter seu território dividido. Líderes do Leste ¿ partidários do primeiro-ministro Viktor Yanukovich ¿ decidiram realizar em dezembro um referendo sobre a autonomia da região. De volta a Varsóvia, depois de ter uma participação nas negociações no país vizinho, o presidente da Polônia, Aleksander Kwasniewski, advertiu que a divisão da Ucrânia é ¿uma ameaça real¿.

A decisão unânime dos líderes do leste aumentou a tensão na Ucrânia, onde a vitória do premier Yanukovich nas eleições do último dia 21 ¿ oficializada pela comissão eleitoral, mas cercada de denúncias de fraudes ¿ não foi reconhecida por seu opositor, o liberal Viktor Yushchenko, amparado por gigantescas manifestações populares e observadores internacionais. Sábado, o Parlamento considerou inválido o resultado da votação, decisão que, embora sem valor legal, tem peso político.

Premier pede a aliados que evitem derramar sangue

Yanukovich esteve na reunião de líderes do leste em Severodonetsk, perto da fronteira com a Rússia, mas não apoiou a decisão deles de realizar um referendo ¿para determinar o status da região¿, o que poderia contrariar a Constituição. Acrescentou, porém, que os protestos em massa que paralisam Kiev há mais de uma semana põem o país sob a ameaça de uma explosão de violência.

¿ Hoje estamos à beira de uma catástrofe ¿ afirmou.

O premier fez um apelo a seus partidários para que evitem derramamento de sangue:

¿ Não tomem qualquer decisão radical. Quando a primeira gota de sangue for derramada, não seremos capaz de conter isso.

Já Yushchenko, em discurso para milhares de aliados em Kiev, acusou os líderes regionais de jogarem ¿a perigosa cartada do separatismo¿.

¿ Os que estão pedindo separatismo estão cometendo crimes e com certeza serão severamente punidos ¿ disse.

Paralelamente à reunião em Severodonetsk, a região de Donetsk, feudo eleitoral de Yanukovich no leste, convocou para domingo que vem um referendo para que seus habitantes decidam se querem torná-la uma república autônoma.

O fantasma do separatismo evidencia uma antiga divisão regional. O oeste que apóia Yushchenko é nacionalista, fala ucraniano, tem uma pequena produção agrícola e industrial e uma forte minoria ocidentalizada de cinco milhões de católicos. Já o leste que apóia Yanukovich é fortemente industrial, responde pela maior parte da riqueza do país, fala russo, é majoritariamente cristão ortodoxo e tem fortes relações com Moscou. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, aprova a vitória de Yanukovich, ao contrário de líderes europeus.

Para muitos nacionalistas e liberais, uma autonomia do leste representaria, porém, um fracasso nacional, 13 anos depois de a Ucrânia se tornar independente da União Soviética. Mas, com ânimos exaltados, alguns líderes disseram em Severodonetsk que seria melhor o leste fazer parte da Rússia.

¿ Kiev fica a 480 quilômetros de Kharkov (cidade do leste da Ucrânia) e a Rússia, a apenas 40 quilômetros ¿ disse o governador de Kharkov, Yevgeny Kushnarov.

Líderes regionais sugerem que leste se una à Criméia

Vários líderes sugeriram também que o leste se una à Criméia, região ucraniana que tem seu próprio Parlamento e governo.

Complicando ainda mais a situação, uma assessora de Yushchenko, Yulia Tymoshenko, exigiu ontem que o presidente Leonid Kuchma destitua o premier em 24 horas e que o Parlamento se reúna hoje para formar um governo de coalizão.

Semana passada, a Suprema Corte ucraniana bloqueou o resultado da eleição para avaliar um pedido de Yushchenko de que as irregularidades sejam verificadas e a eleição, anulada, o que deve acontecer hoje. Além disso, líderes europeus estiveram em Kiev, reuniram os dois candidatos e formaram um grupo de negociação. Ontem, o presidente Kuchma, comentou, porém:

¿ As negociações estão sendo consideravelmente difíceis. Ninguém pode dizer que tipo de compromisso pode ser alcançado ou mesmo se pode ser alcançado.

Yushchenko propõe uma nova votação em 12 de dezembro, como propusera a União Européia, mas Yanukovich não deixou claro se a aceita.