Título: Justiça célere e eficiente
Autor: Pierpaolo Cruz Bottini
Fonte: O Globo, 31/12/2005, Espaço Aberto, p. A2

A recente aprovação do Projeto de Lei 52/04 deve ser comemorada. Trata-se de uma significativa alteração no Código de Processo Civil, que implicará maior agilidade e eficácia aos processos e à resolução de conflitos, principalmente na cobrança de dívidas na Justiça, um dos grandes responsáveis pelo congestionamento dos tribunais. Atualmente, cobrar um débito no Poder Judiciário é caro e demanda muito tempo, além de exigir do credor uma série de atividades complexas, que retardam a satisfação do pedido e transformam o processo numa verdadeira corrida de obstáculos. Quem já precisou da Justiça para exigir a satisfação de um débito, ou para ver reconhecido um direito, sabe dos percalços e das frustrações que acompanham essa empreitada. Muitas vezes, o custo de uma ação na Justiça é tão alto e o prazo, tão longo que o cidadão deixa de buscar suas pretensões por meio dessa forma de solução de litígios, o que contribui para a desmoralização do próprio Poder Judiciário.

A cobrança judicial de uma dívida passa, hoje, por dois processos distintos. Um, de conhecimento, no qual o juiz apenas reconhece a existência da dívida. É a etapa em que o credor obtém uma sentença judicial dizendo que ele tem o direito de receber certa quantia de outra pessoa, mas não obriga esta pessoa a, realmente, efetuar o pagamento. A decisão do juiz é uma mera declaração de direito, e não uma imposição para que esse direito seja satisfeito. Para que a dívida efetivamente seja paga será necessário outro processo, o chamado processo de execução. Este, sim, tem o objetivo de buscar os bens do devedor, de exigir a quitação do débito, de satisfazer o credor e, finalmente, solucionar o conflito.

A existência desses dois processos acarreta muitos problemas que dificultam a resolução de litígios, como a necessidade de comunicar, pessoalmente, ao réu sobre o início da ação e a execução. Em muitos casos, o devedor participou da fase de conhecimento, defendeu-se e, posteriormente, não é localizado para ser notificado da existência do processo de execução. Estudos demonstram que cerca de 48% dos processos de execução são interrompidos por não ter sido possível notificar o devedor da existência do processo de execução contra ele.

Outro problema do processo de execução é a possibilidade de o réu, quando notificado, oferecer bens para quitar a dívida. Neste caso, surgem discussões infindáveis sobre qual o real valor dos bens, se eles são capazes para o pagamento da dívida, se são idôneos, o que arrasta a conclusão da ação por anos a fio. Para ilustrar o problema basta citar que 41% desses processos ficam paralisados nesta fase.

Estes gargalos atrasam a conclusão dos processos e a satisfação de dívidas já reconhecidas por uma sentença judicial. Isso afeta o ambiente de negócios no País, a segurança para a realização de atividades comerciais e financeiras e o mercado de crédito. A dificuldade e o custo de um processo judicial, em decorrência da morosidade, são exagerados. Estudos demonstram que a cobrança judicial de uma dívida de R$ 50 mil tem um custo equivalente a 76% de seu valor, se o processo seguir até a fase final. Isso, se não for feito um acordo entre as partes ou se uma delas não desistir de levar o litígio adiante.

O alto custo e a dificuldade para a recuperação de créditos pela via judicial são levados em conta pelos agentes financeiros no momento de disponibilizar valores para o mercado. A morosidade da Justiça integra as análises de risco das instituições financeiras e, como conseqüência, tem grande impacto nas taxas de juros cobradas pelo crédito. Quanto maiores o tempo e o custo para resolver a inadimplência na Justiça, maior o preço do dinheiro emprestado. O spread bancário e o volume de crédito são afetados, em parte, pela atual crise do sistema judicial. Isso fica evidente diante da restrita disponibilidade de crédito no País, em torno de 30% do produto interno bruto (PIB), ante os quase 70% existentes no Chile, por exemplo.

Esse cenário acentua a importância da aprovação do Projeto de Lei 52/04 pelo Congresso Nacional. As alterações atingem a citação pessoal do réu e a possibilidade de oferecimento de bens para assegurar a dívida. Assim, ficam unificados os processos de conhecimento e de execução, o que afasta a necessidade de duas comunicações pessoais ao devedor, que será avisado apenas do início do processo de conhecimento, e as demais notificações serão feitas ao advogado, o que simplifica a tramitação. A dificuldade de encontrar o réu para iniciar a execução não será empecilho para a continuidade do processo.

Por outro lado, as mudanças vedam ao devedor a opção de oferecer bens à penhora para satisfazer o crédito. Após a condenação e o reconhecimento da existência da dívida, o réu será comunicado, por seu advogado, para que a pague em 15 dias, ou seja, não poderá mais apresentar bens para garantir o credor. Se não o fizer, incidirá, imediatamente uma multa de 10% sobre o valor da condenação. Este dispositivo tem o objetivo de incentivar o pagamento imediato, após a condenação, e evitar recursos meramente protelatórios, bem como evitar discussões sobre o valor e o estado dos bens apresentados para assegurar o pagamento.

A aprovação deste projeto desata alguns nós que impedem a resolução de conflitos e litígios civis. O novo paradigma da execução civil terá impactos que não se limitam ao restrito círculo dos operadores jurídicos, mas afetará, sem dúvida, de maneira positiva, as relações econômicas, o ambiente de negócios, o mercado de crédito e as transações comerciais, oferecendo à sociedade um instrumento de resolução célere e eficaz de conflitos e a segurança indispensável para o seu desenvolvimento.